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O fundo para jornalismo do Google não vai ajudar o ramo que a empresa ajudou a prejudicar – Giz Brasil

Apesar do aumento do tráfego e de leitores nos sites — uma vez que o coronavírus mantém as pessoas

O fundo para jornalismo do Google não vai ajudar o ramo que a empresa ajudou a prejudicar – Giz Brasil

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Apesar do aumento do tráfego e de leitores nos sites — uma vez que o coronavírus mantém as pessoas em suas casas e na internet — as demissões na mídia e os cortes nos salários continuam acontecendo. Agora, para salvar o jornalismo em sua hora de necessidade, o Google lançou o Fundo de Emergência para Jornalismo para “fornecer ajuda urgente a milhares de publishers pequenos, médios e editores locais de notícias do mundo todo”.
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Ok, Google, não deixa de ser uma boa iniciativa, apesar de ser uma gota no oceano comparado ao dinheiro que a empresa arrecadou ao longo dos anos, ajudando a estragar publicações de todo o espectro, à esquerda e à direita.

Em seu blog post, o Google diz que até 29 de abril, qualquer publicação pode solicitar ajuda desde que produza “notícias originais para as comunidades locais”. Mas o fundo fornecerá apenas ajuda para “milhares” de redações “hiper locais pequenas” e “dezenas de milhares” para grandes redações.
As diretrizes de inscrição também observam que o fundo é direcionado para redações com algo entre 2 e 100 jornalistas em período integral — deixando de fora aqueles que dependem de trabalhadores de meio período e terceirizados — e limitado ao tipo de cobertura que seja digna de resgate. Por exemplo, os candidatos devem ter um “foco em notícias importantes”, descontando áreas como estilo de vida, esportes e publicações voltadas para negócios. Lógico, é melhor que nada, mas com certeza a iniciativa faz muito pouco e muito tarde.
A pandemia de COVID-19 não criou a desconexão entre alto tráfego e uma indústria de mídia cada vez mais insustentável; apenas destacamos quanto dano já foi causado.

Google e Facebook reduzem a receita de publicidade que fica com as empresas editoriais há anos. Em 2010, o Google revelou em um blog post do AdSense que ele fica com 32% nos anúncios de conteúdo e 49% nos anúncios de pesquisa.
Embora possa parecer que os editores recebam a maior parte dos ganhos em ambos os cenários, um editorial da News Alliance notou que “o Google AdSense se tornou menos relevante para os editores que vendem através do Google Ad Manager”, que possui regras menos transparentes de divisão de receita, “e o Google se beneficia significativamente mais desse relacionamento do que os editores”.
É difícil encontrar números concretos, mas os números pintam uma imagem sombria de quanto os editores ganham com os anúncios. Um relatório de 2017 da Digital Content Next descobriu que o editor premium médio levou para casa apenas US$ 7,7 milhões nos EUA ao colocar seu conteúdo em plataformas de distribuição de terceiros, como as propriedades do Facebook, Google e Snapchat — apenas 14% da receita total.

Juntos, o Facebook e o Google representam 60% da indústria de anúncios digitais nos EUA, e em 2019 tiveram US$ 65 bilhões de receita.
O próprio Google tem uma participação de 90% em pesquisa e detém quase 70% do mercado de tecnologia de anúncios online nos EUA, de acordo com a News Media Alliance. Isso se traduz em 37% de toda a receita de publicidade online dos EUA. E, de maneira vampírica, o Google se beneficia não apenas da mídia digital colocando anúncios em seus sites, mas também dos anunciantes que usam sua tecnologia de publicidade ao colocar esses anúncios.
Tentar mapear tudo isso é uma grande dor de cabeça, mas a lição que fica é que quantidade de dinheiro que Google (e o Facebook) recebe é grande, enquanto as publicações ficam apenas com uma pequena parte.
Em 2016, o Guardian disse que levou para casa entre 30 e 40 centavos para cada libra que os anunciantes gastaram no site. É quase uma relação vista por motoristas de aplicativo e as plataformas, só que neste caso, a empresa de tecnologia fica com 70%, enquanto o condutor recebe 30%.
Não é por acaso que o Guardian, apesar do aumento recorde de assinaturas, tenha anunciado nesta semana que 100 funcionários não editoriais ficariam de licença por causa do coronavírus.
Para dar algum contexto, o jornalismo é bancado majoritariamente por publicidade, e as principais plataformas de anúncio online são de gigantes da tecnologia. Elas têm noção de seu impacto negativo no mercado jornalístico — tanto é que Google e Facebook já doaram grandes quantias para este ramo.
Peter Kafka, do Recode, resumiu um pouco esta questão em um post de 2018 intitulado “Google and Facebook can’t help publishers because they’re built to defeat publishers” (“Google e Facebook não podem ajudar publicações, pois estas empresas foram construídas para derrotá-los”).
No texto, ele ressalta que essas gigantes da tecnologia são muito melhores em agregar informações para obter a atenção das pessoas que, por sua vez, é vendida para anunciantes. Obviamente, é mais interessante para um anunciante bater na porta de quem alcança um público maior do que em um único site ou publicação. A questão é que essas empresas de tecnologia não produzem o conteúdo que agregam e que recebe essa atenção.
Kafka ainda aponta para o que ele vê como uma contradição. As gigantes de tecnologia têm criado formas de ajudar publicações digitais a desenvolverem sistemas de assinatura para depender menos do dinheiro de anúncios. No entanto, estas mesmas companhias, por exemplo, não tentam fazer isso com seus produtos — você não vê por aí um “Facebook Premium” ou uma “busca do Google Premium” para quem pagar uma grana por mês.
É óbvio que um produto gratuito vai ter mais público que um pago. E nunca é demais dizer que, quando o serviço é gratuito, o produto é o usuário — são os dados e a privacidade do usuário que são ofertados e, no fim das contas, comprados pelas empresas anunciantes.
Voltando à iniciativa do Google, perdoe esta blogueira por olhar o Fundo de Emergência para Jornalismo e ver apenas uma estratégia de marketing.
Ah, importante dizer que o Google está doando US$ 1 milhão coletivamente para o Centro Internacional de Jornalistas (ICFJ) e o Centro Dart de Jornalismo e Trauma da Escola de Jornalismo de Columbia.
O Facebook também disse que estava comprometido em doar US$ 100 milhões para organizações de notícias locais afetadas pelo COVID-19. Mas algumas doações não são suficientes para manter essas publicações por muito tempo, e não está claro quando as coisas voltarão ao normal.
Outros já sugeriram isso, mas talvez simplesmente dar dinheiro para as empresas jornalísticas fora do contexto de pandemia já seria um bom início. Até então, as gigantes de tecnologia deveriam manter seu discurso sobre “quão vital o jornalismo é agora” para elas mesmas.
(Colaboraram Guilherme Tagiaroli e Giovanni Santa Rosa)

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