Alta lucratividade é o que mantém o mercado digital de fake news – ABI – Associação Bahiana de Imprensa
Professor da USP, Vitor Blotta diz que os algoritmos funcionam como isca para os espectadores e a propagação de
Professor da USP, Vitor Blotta diz que os algoritmos funcionam como isca para os espectadores e a propagação de notícias enganosas aumenta
As fake news propagam a desinformação sobre diversos temas. A época mais notável delas foi durante a pandemia da covid-19, quando espalharam tratamentos ineficazes, questionaram a qualidade da vacina e menosprezaram a pandemia. Porém, elas ainda estão presentes no dia a dia e têm a intenção de continuar no cotidiano da sociedade. “Estão identificando que a gente precisa construir uma espécie de ecossistema da governança digital. Não está só em uma mídia social, não está só em uma plataforma. Ela vai se espalhando, diferentes canais vão citando o outro. Você precisa criar um ecossistema que combine: ações estatais, de mercado, que incluam as moderações de conteúdo, mas também ações da sociedade civil, construído com base num equilíbrio entre liberdade de expressão e interesse público”, explica o professor Vitor Blotta, do Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicações e Artes da USP.
Para a construção de um ecossistema saudável no meio digital também é necessário entender como a estrutura de plataformas onde as fake news se propagam, como o YouTube, funciona.
O termo monetização vem da palavra money que, traduzido para português, significa dinheiro. Monetizar algo corresponde a ganhar dinheiro com aquilo. Por exemplo, o YouTube disponibiliza algumas formas de o produtor do conteúdo, ou seja, aqueles que produzem e publicam vídeos no aplicativo, monetizar as publicações e, assim, lucrar com elas.
“Uma das formas é a monetização direta, você cria uma espécie de parceria: se você é um produtor de conteúdo, você vira, por exemplo, um parceiro do YouTube para receber recursos se você tem muitas visualizações. Um outro caminho é a plataforma recebendo diretamente pela divulgação de anúncios. Tem a ver com uma parceria que o YouTube faz muitas vezes pelo programa chamado Google AdSense e tenta direcionar bastante os anúncios para públicos de grande audiência. Outra modalidade são os grupos sociais com interesses políticos que financiam pessoas para produção de notícias, nesse caso fraudulentas, para conseguir divulgar ideologias, então também há um financiamento por grupos de interesse”, pontua Blotta.
A monetização é apenas um mecanismo para ganhar alguma renda com a produção, porém, na propagação de fake news, o conteúdo é extremamente relevante.
O alto engajamento com notícias falsas é um grave problema, já que, além dos produtores e disseminadores monetizarem essas informações, torna-se muito mais difícil controlar a propagação delas. Blotta explica como funciona o ciclo do consumo de fake news: “Os algoritmos acabam funcionando como uma espécie de isca: outro vídeo já vai aparecendo antes de terminar o primeiro. Eles vão criando uma forma, não só no YouTube como em outras mídias sociais, de você continuar na plataforma, continuar interagindo sem sair e ininterruptamente. Quanto mais tempo as pessoas ficam na plataforma, maior a possibilidade de conseguir anunciantes, recursos. É um modelo para fisgar a gente, continuar fazendo com que a gente interaja como o vídeo um atrás do outro. Não dá tempo nem de você pensar”.
Mesmo com a existência de políticas de moderação na plataforma YouTube, a pesquisa da Unicamp, feita em parceria com Institute for Globally Distributed Open Research and Education e com a Universidade da Califórnia, as considera inconsistentes. “As pessoas criam novos perfis, diferentes, que às vezes demoram para ser identificados novamente”, comenta o professor.
Parte da continuidade da circulação de fake news pode ser relacionada também com o lucro da própria plataforma, como Blotta analisa: “Existe uma desigualdade no tratamento de diferentes canais: então, se o canal tem muita visualização, eles demoram mais para derrubar e isso provavelmente tem a ver com o retorno financeiro para a plataforma”.
No Brasil, a discussão a respeito de ferramentas de controle de fake news ainda não é muito difundida, mas a educação midiática faz parte desse processo. Ensinar a população como ler notícias e como identificar as enganosas é necessário, porém, apenas isso não é suficiente, precisa de uma ação coordenada com outras vertentes, como minar o lucro dos produtores e da plataforma, segundo o professor. “Se a gente não orquestrar esse ecossistema da governança digital, vai ser muito difícil enfrentar o ecossistema da desinformação”, acrescenta Blotta.
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