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Inteligência Artificial: vêm aí enfermeiros robôs? – Outras Palavras

A ONU anunciou o uso de robôs para cumprir funções de cuidado à Saúde. Em entrevista, o pesquisador William

Inteligência Artificial: vêm aí enfermeiros robôs? – Outras Palavras

A ONU anunciou o uso de robôs para cumprir funções de cuidado à Saúde. Em entrevista, o pesquisador William Waissmann reflete sobre os descaminhos das inovações tecnológicas, que hoje servem basicamente à acumulação de capital
Publicado 10/02/2023 às 06:11 – Atualizado 31/03/2023 às 19:03
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William Waissmann em entrevista a Alessandra Monterastelli
Na última semana, a Organização das Nações Unidas (ONU) anunciou a apresentação de oito robôs humanoides em uma cúpula global sobre Inteligência Artificial (IA) marcada para julho em Genebra, na Suíça. Entre as tarefas executadas pelos robôs estaria a de cuidados à saúde, como possíveis enfermeiros. Em comunicado, Doreen Bogdan-Martin, nova secretária-geral da União Internacional de Telecomunicações (ITU/ONU), disse ser do interesse coletivo “moldar a inteligência artificial mais rapidamente do que ela nos molda”.
Apesar do objetivo da cúpula ser mostrar como a inteligência artificial pode auxiliar na luta contra a crise climática e o apoio à ação humanitária, ainda restam algumas importantes questões em aberto, como se haverá um financiamento público para as tecnologias e se robôs que cumpram as funções de humanos sejam, de fato, necessários nesse caso. Ativistas em prol do meio-ambiente, por exemplo, têm se manifestado continuamente para que países e empresas responsáveis pela emissão de poluentes tomem ações imediatas para conter o avanço da crise. No caso da Saúde, sanitaristas têm reforçado a necessidade de investimento na Atenção Básica, com a qualificação de profissionais junto com novas possibilidades de carreira dentro do sistema público.  
Em entrevista para o Outra Saúde, William Waissmann, médico e pesquisador sênior da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), especializado em impactos de nanomateriais, nanomedicina e nanotoxicologia afirmou que a IA é “fruto do que ocorre no mundo e responde a isso”, e questiona: o que é realmente necessário para as grandes maiorias?
Fique com a entrevista completa.
Ao ler a matéria, você comentou que é cético em relação à possibilidade de que a IA “está nos moldando”. Por que?
Meu ceticismo diz respeito à expectativa dela [Doreen Bogdan-Martin] de que nós poderemos moldar, de alguma forma, a Inteligência Artificial sem que esta nos molde. Nós a moldamos e ela nos molda e precisamos entender qual o processo envolvido nisso. Desde a Revolução Industrial, temos um processo em que a grande maioria das pessoas são moldadas a partir do domínio dos instrumentos e meios de produção. Isso vem se acelerando cada vez mais, através da miniaturização dos instrumentos até o controle dos espaços e dos tempos. Progressivamente, os processos são mais controlados. A uberização é isso,  a pessoa na realidade está na mão de um processo de comunicação informacional – onde os instrumentos são todos seus, os meios são todos seus, mas os gastos com esses meios também são todos seus. 
Isso nada mais é do que uma aceleração do processo lógico de acumulação do capital. A Inteligência Artificial está sob controle de conglomerados ou empresas que têm domínio de todo o processo. Eu só vejo uma possibilidade concreta de reagirmos, e cito Rosa Luxemburgo: melhor distribuição ou barbárie. E a IA se mostra efetivamente como possibilidade de barbárie no sentido de domínio completo. Se dá uma “cara”, um molde gentil, atraente e romantizado à IA: robôs que interagem e promovem avanços pedagógicos. Mas o que de fato se ensina, a não ser a reprodução da nossa dependência por um determinado tipo de pensamento e de comportamento? Todos os processos são conhecidos, o domínio desses processos é sempre para um número restrito de pessoas e as outras acabam por fazer o que se espera que façam. Acaba acontecendo nos processos eleitorais, por exemplo. Essa frase, “vamos tentar moldar a IA antes que ela nos molde”: isso já foi ultrapassado. 
É muito delicado falar de uma enfermagem que não dependa especialmente de relações entre humanos, por estas serem, essencialmente, o cerne da profissão. Em sua opinião, qual a necessidade real de robôs substituírem o trabalho humano nesse caso? Você acredita que é algo que precisamos, algo que melhoraria o atendimento de alguma forma – para além do conceito de “otimização da produção”?
Os robôs têm um limite de ação e nós o aceitamos. É claro que em alguns casos sua criação é um avanço; por exemplo, mergulhadores morriam antigamente a mais de duzentos metros de profundidade, hoje são robôs que fazem o trabalho. Mas existem questões relativas à mudança do perfil de trabalho e ao desemprego estrutural, além de quem controla esses robôs e qual a sua função. Na realidade, são robôs que vão captar informações que estejam organizadas e protocolizadas; que respondem a determinados algoritmos dos quais seremos obrigados a seguir. 
Isso não é novo, acontece há muito muito tempo. O próprio modo de agir médico é tradicionalmente o ensino de decorebas: aprendemos a juntar dois, três, quatro sintomas para dar o diagnóstico. Isso qualquer computador faz melhor. O que o computador não pode fazer é a interação. Para mim, a necessidade real de robôs é para desempenhar atividades de risco. O restante, hoje, obedece a uma necessidade de aceleração completamente desnecessária. O que é realmente necessário pra grande maioria? 
Você comentou sobre como a IA acentua um processo iniciado na Revolução Industrial. Naquela época, temia-se que as máquinas iriam gerar o desemprego em massa, que não ocorreu; hoje, tememos que a IA cause desemprego em massa. O que você pensa sobre isso? No caso dessa notícia, os robôs poderiam ser uma ameaça aos enfermeiros e profissionais da saúde da linha de frente?
Nós já temos muito desemprego estrutural. Uma quantidade gigantesca de pessoas – a grande maioria delas na informalidade. As pessoas trabalham sete dias da semana, trezentos e sessenta e cinco dias por ano, para tentar se alimentar. Isso porque há comida de fato para todos, mas o sistema impede que todos a acessem. O robô, a IA, não causa nada disso a princípio, mas  fazem parte dessa estrutura: são mais uma representação, na sua atual inserção, do processo de exclusão. Qualquer instrumento que facilite o processo de acumulação de capital pode ser ruim. Eles podem ser utilizados para coisas positivas, mas de novo, estão efetivamente a serviço das pessoas? A IA não é uma entidade sobrenatural, nem um instrumento com  resultado de processo apolítico. Ela é fruto do que ocorre e responde a isso. 
O anúncio da ONU fala dos “robôs enfermeiros” como algo positivo, mas ao mesmo tempo com certo desespero por utilizar a tecnologia antes que esta seja utilizada por terceiros. Existe uma competição velada entre entidades que representam o interesse social internacional, como a ONU, e empresas privadas que investem em IA?
Não vejo que a ONU esteja contra esses grandes grupos. A ONU é completamente capturada por vários tipos de interesses. Existem grupos internos que abraçam os discursos da maioria, mas existem cinco ou mais agentes que dominam os interesses de acumulação por dentro do órgão. Estados Unidos, China, Rússia, Inglaterra e França. Mas a democracia capitalista é necessária para permitir a acumulação sob o pretenso discurso de liberdade individual. Por isso também tenho um olhar muito cético em relação à Inteligência Artificial segundo o atual molde de controle do capital. Claro, acho que cada vez mais será necessário lutar pela possibilidade de direitos plenos, distribuição de riquezas e de instrumentos – e a IA pode estar a serviço disso. Tenho minhas dúvidas que a ONU fará esse movimento, ou se teremos com vários e vários grupos, combater o domínio pleno da IA pelo grande capital e seus grupos subordinados. Precisamos nos sofisticar para garantir algum tipo de combate.
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