Em entrevista, Álvaro Machado Dias propõe uma reflexão sobre a … – Confederação Nacional do Transporte – CNT
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A essa altura, todos nós já ouvimos falar do ChatGPT — e nos perguntamos até onde pode ir a tal da IA (inteligência artificial). O professor Álvaro Machado Dias vê a popularização do termo como um sinal de “abertura intelectual e comportamental das pessoas” para essa importante tecnologia. “Se há uma certeza sobre o futuro é a de que ele será cada vez mais IA-driven (determinado pela inteligência artificial)”, garante.
Neurocientista e livre-docente da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), Dias é um dos principais pensadores brasileiros da relação homem-máquina e um futurista, ou seja, alguém que explora possibilidades e inovações que estão no horizonte, mas ainda não se revelaram por inteiro. Pelo que ele observa, pode afirmar que transporte e logística estão em plena transformação técnica, mas que a verdadeira disrupção dos setores ocorrerá com o advento da computação quântica.
Mais otimista do que outros intelectuais de peso (como o historiador Yuval Harari, autor de Sapiens — Uma breve história da humanidade), ele não vê possibilidade de o progresso da IA culminar com a extinção dos seres humanos, mas se preocupa “com o desmantelo produtivo em países com menor capital intelectual alocado”. Na entrevista a seguir, ele explica esse posicionamento e comenta outros temas atuais, como a regulação da IA, proteção de dados, capacidade de decisão, ética e soft skills.
Isso não é só impressão, como verdade. O que determina a presença de uma tecnologia na nossa vida não é apenas a sua aplicação, mas a abertura intelectual e comportamental das pessoas; é, enfim, a mentalidade dominante. Em poucos anos, fomos de uma visão da IA como um corpo estranho num mundo estranho para outra, em que esta representa o novo normal — para resgatar uma expressão da pandemia. Se há uma certeza sobre o futuro é que ele será cada vez mais IA-driven (determinado pela IA). É sobretudo isso o que dita a relevância da tecnologia.
Regular é o passo necessário para que algo saia da zona cinzenta e se torne o arroz com feijão da prática empresarial. Regular, acima de tudo, significa pensar algo à luz do melhor interesse da sociedade. Pois é justamente aí que a coisa se torna mais sutil e complexa, já que, nesse caso, temos duas linhas de interesse concorrentes e a necessidade de otimizar posicionamentos que deem conta de ambas: de um lado, estão os riscos de excessos, vieses, concentração de mercado e, principalmente, da erosão do mercado consumidor pela subtração do poder de compra da classe média, deslocada do circuito produtivo pela automação combinada à IA. Do outro, está nada mais nada menos do que a competitividade do país, na vertical das tecnologias intangíveis, hoje muito mais importante do que os hardwares. O AI Act europeu dá uma medida da delicadeza da questão: após a aprovação em um primeiro fórum de propostas bastante exigentes, tem levado à mobilização de diversos setores da sociedade europeia contra aquilo que enxergam como o sepultamento da competitividade tecnológica do continente frente à China, aos Estados Unidos e a outros polos. Criar regras é fácil, difícil mesmo é encontrar o sweet spot (ponto ideal) em que elas, de fato, somem.
O projeto de lei da IA brasileiro (PL nº 21/2020) segue o modelo europeu em praticamente todos os aspectos. Como o de lá, precisa ser repensado antes da aquisição de mais uma camisa de força que, além de tudo, não conecta as pontas das IAs generativas. Não há país algum com uma legislação avançada no tema. Na minha visão, isso sinaliza a necessidade de amadurecer o debate antes de levar ao plenário.
Compartilho da preocupação com o desmantelo produtivo em países com menor capital intelectual alocado. Também vejo que há uma transição na produção de chips (vide a NVIDIA, maior beneficiária do boom da IA entre todas as grandes empresas do mundo), a qual nos desloca ainda mais do centro. Não há, entretanto, qualquer chance de a IA acabar com a humanidade ou coisa do gênero. Isso é, basicamente, marketing de quem não conseguiu subir no bonde em primeiro lugar e agora pleiteia que o bonde pare.
“Singularidade” é entendida como a era em que as máquinas atingirão competências equivalentes às humanas. Outra acepção é a de fusão homem-máquina. Sobre isso, há uma pesquisa periódica do principal congresso de IA do mundo (Conference on Neural Information Processing Systems). De acordo com a sua última tomada, a singularidade deve ser atingida em torno de 2060 — e não amanhã, como diz Sam Altman e outros experts em marketing. Eu sou menos confiante. Se eu vir um robô jogando futebol em vida, vou considerar que de fato vivi a singularidade, mas como eu duvido que tenhamos um Messi de lata em menos de 60 anos, não tenho muitas esperanças. Super IA é a ideia de tecnologias de processamento informacional com capacidades super-humanas. Isso, sim, está bem mais próximo de acontecer. Acredito que, em 20 anos venhamos a ter isso — mas, muito antes, iremos sentir os efeitos dos avanços rápidos e crescentes da IA, afinal, não se trata de evolução binária (tudo ou nada), mas crescente, quantitativa. A grande diferença entre elas é que a singularidade prevê humanoides, enquanto a Super IA só prevê softwares. Evidentemente, é na robótica que estamos engatinhando. Não sonhe com os Jetsons, você vai se decepcionar.
Sem dúvida. Um exemplo importante é a otimização de rotas, também conhecido como “problema do carteiro”. Há limites na capacidade de processamento de máquinas digitais para problemas desse tipo. A grande disrupção deve vir da computação quântica — que, aliás, irá redefinir o que entendemos como IA — e não dos algoritmos existentes. De acordo com um artigo recente que publiquei, isso deve ocorrer até o fim da década. O negócio irá se tornar muito mais racional, totalmente baseado na solução de equações utilitárias, envolvendo custo de combustível, rotas, vacância, habitualidade e muito mais.
Minha visão é que isso já está sendo feito. Em um país em que leis pegam ou não pegam, faz sentido dizer que a LGPD pegou (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – lei nº 13.709/2018). A questão que se coloca mais profundamente é oposta: enquanto seguimos a lei, a OpenAI faz scraping (varredura) da internet inteira — incluindo todos os dados privativos de todos os usuários de redes e browsers de um país chamado Brasil — e nenhum processo civil incide sobre ela no país. Isso deveria nos ensinar uma lição, semelhante àquela ensinada pelo Uber sobre a lógica das prefeituras e suas licenças supostamente imutáveis.
Como sociedade, fomos enganados sobre a autonomia plena (nível 5) dos veículos. O que está bem claro é que, em um país como o Brasil, atingi-la é sinônimo de se chegar à IA geral; sem isso, nada feito. Em 20 anos, chegaremos lá. Até então, espere um motorista atrás do volante, o que torna o debate irrelevante.
Não está. São coisas simples, envolvendo sensores conectados e edge computing (computação de ponta), que é o processamento diretamente no ponto de uso. A grande questão é que, rigorosamente, todos os experimentos com cidades inteligentes até hoje falharam. As pessoas não querem viver no Show de Truman e ainda não surgiu uma solução urbanística do tipo que não dê essa sensação de se estar num ambiente controlado, em uma espécie de shopping center, o tempo todo.
Pode, com certeza. Outra questão é se os governos de fato querem estimular a indústria limpa. Até a indústria engrenar, é preciso dar subsídios bastantes para que valha a pena comprar veículos elétricos, além de instalar pontos de recarga por todo o país.
Não. Decidir significa reduzir opções para a geração de orientação à ação. Até os leucócitos decidem. Nossas decisões não são necessariamente melhores do que as de um software. Nosso diferencial está na compreensão de que coisas físicas — e vivas — não são só palavras.
Hoje em dia, é possível treinar algoritmos para que reajam de determinada forma em situações identificadas como moralmente sensíveis, mas não os fazer entender isso. No futuro, não será assim. Algoritmos construídos com base no entendimento do senso comum e da lógica da realidade tal como essa se mostra para a gente deverão surgir contiguamente ao declínio do deep learning e outras técnicas associativas que hoje dão o tom e que são incapazes de incorporar conceitos do mundo real, dada a sua existência fechada em nuvens digitais.
O livre-pensar, a arte e a ficção são mais valorizados conforme a necessidade de pagar as contas decresce. Se o mundo se tornar mais parecido com a Suécia, em função da explosão produtiva motivada pela IA, sim. E essas áreas serão valorizadas. Já se o mundo vier a se parecer mais com a Venezuela, não. Essas áreas permanecerão escanteadas pelo mercado — o que será uma pena, já que a IA traz questões que nos convidam a repensar conceitos, de A a Z.
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