De 44 minutos a 5 segundos: como a Inteligência Artificial agiliza o Judiciário brasileiro – JOTA
TecnologiaA tecnologia está ajudando a Justiça brasileira a lidar com o estoque de mais de 80 milhões de processos
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A tecnologia está ajudando a Justiça brasileira a lidar com o estoque de mais de 80 milhões de processos em tramitação
Quarenta e quatro minutos. Esse é o tempo médio que um servidor do Supremo Tribunal Federal (STF) leva para analisar se um recurso extraordinário se encaixa em um dos temas de repercussão geral ou não. Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) descobriu que o sistema de inteligência artificial (IA) Victor consegue concluir o processo em 5 segundos. O estudo fez um levantamento de como o Judiciário brasileiro está usando IA para acelerar a tramitação dos 81,4 milhões de processos em estoque no país.
A pesquisa é a terceira edição do levantamento “Tecnologias Aplicadas à Gestão de Conflitos no Poder Judiciário com ênfase no uso da inteligência artificial”, realizado pelo Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Poder Judiciário da FGV Conhecimento (CIAPJ-FGV). Na primeira edição, de 2020, os pesquisadores mapearam que 47 tribunais do país utilizavam IA em alguma atividade – foro o próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que utiliza a plataforma Sinapses. Na segunda edição, de 2021, foram encontradas 64 ferramentas ativas.
Na terceira fase, a equipe do CIAPJ decidiu investigar como as Cortes brasileiras estão usando as ferramentas de Inteligência Artificial. O objetivo era verificar quais são os problemas que essas tecnologias ajudam a solucionar e quais são os resultados obtidos até agora. Para isso, foram feitas visitas técnicas ao CNJ, ao STF, ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao Tribunal Superior do Trabalho (TST), ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) e ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT).
“Percebemos que as pessoas tinham muitas dúvidas de como esses sistemas funcionam, imaginavam um ‘juiz robô’. Por isso decidimos fazer um levantamento para mostrar que a inteligência artificial está sendo usada mais para catalogar e agrupar processos do que para tomar decisões”, diz Caroline Tauk, coordenadora do CIAPJ da FGV Conhecimento e juíza do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2).
O estudo constatou que mais de 90% das ferramentas de inteligência artificial foram desenvolvidas pelos próprios setores de tecnologia dos tribunais – e normalmente as Cortes usam mais de um sistema. “O próprio STJ conta com mais de uma ferramenta e possui um setor de Inteligência Artificial dos mais avançados e especializados no país”, diz Tauk.
Um dos sistemas utilizados pelo STJ é o Athos, que, dentre outras funcionalidades, identifica e monitora temas repetitivos que são julgados pelo tribunal. “Ele é capaz de agregar processos por critérios semânticos, ou seja, palavras próximas, para classificar temas repetitivos, o que auxilia os ministros a identificarem temas a serem julgados pela Corte na hora de tomar a decisão final”, diz a juíza.
A maior parte das ferramentas de IA utilizadas hoje pelo Judiciário brasileiro é voltada para classificação, triagem e agrupamento de processos. “Há muitos processos que são parecidos, como de Previdência, de questões dos consumidores ou de execução fiscal. Agrupar para poder julgar em conjunto facilita muito”, afirma a pesquisadora.
Outro grupo de ferramentas de IA consegue ajudar para além da tarefa de classificação dos processos, como é o caso do Victor, que auxilia o STF a identificar processos que podem ter repercussão geral. “Esse grupo de sistemas que apoia decisões opera sempre sob uma dupla supervisão humana, sendo de algum servidor, e depois, do próprio juiz”, afirma a pesquisadora.
O Elis, do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco (TJPE), é outro que opera nesse modelo. Além de fazer a triagem dos processos de execução fiscal, ele informa também se a cobrança de um determinado débito ainda é passível de ocorrer ou se ela já ultrapassou os 5 anos permitidos em lei para o indivíduo ser cobrado.
O estudo também identificou ferramentas que usam a IA para analisar informações de processos anteriores e verificar quais casos são mais passíveis de terminarem em conciliação entre as partes. “Esse sistema analisa o tipo de apelo, o litigante, entre outras informações, para indicar os processos que possuem mais chances de conciliação, no intuito de embasar melhor o juiz para que ele possa tomar sua decisão. O Tribunal de Justiça do Trabalho da 12ª Região (TRT12) possui um sistema deste tipo”, diz Tauk.
Por fim, os pesquisadores também encontraram alguns sistemas que utilizam a tecnologia para facilitar as atividades administrativas dos tribunais. Um exemplo são chatbots que os funcionários podem acessar para tirar dúvidas sobre gestão de recursos humanos e consultar informações sobre férias e holerites.
Um desafio que os pesquisadores encontraram foi o de verificar o resultado da aplicação desses sistemas. “A gente imaginava intuitivamente que esses sistemas teriam liberado o tempo dos servidores para outras tarefas, mas a maior parte dos tribunais não mensuraram isso”, disse Tauk.
A pesquisadora afirma que os servidores dos tribunais relataram uma percepção de ganho de tempo, mas não havia um método organizado de mensuração dos benefícios. Ela diz há interesse em realizar uma nova etapa do estudo, no futuro, para averiguar o impacto da tecnologia.
Quanto a suas expectativas para o futuro da aplicação da IA no Judiciário, Tauk diz que tem confiança de que em casos mais delicados a sensibilidade humana irá prevalecer. “A IA é própria para ser utilizada em processos muito padronizados, ela ainda não consegue interpretar se uma lei se enquadra ou não em um caso”, afirma a juíza.
Carolina Ingizza – Repórter em São Paulo, cobre Justiça e política. Formada em Jornalismo pela Universidade de São Paulo. Antes do JOTA, cobriu política, economia e negócios para o Financial Times e a revista Exame. Email: [email protected]
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