'A Inteligência Artificial já atua na advocacia', diz presidente da OAB … – Diário do Grande ABC
Terça-Feira, 31 de Outubro de 2023O avanço da tecnologia e a alta demanda brasileira pela intervenção da Justiça para
Terça-Feira, 31 de Outubro de 2023
O avanço da tecnologia e a alta demanda brasileira pela intervenção da Justiça para resolver qualquer tipo de litígio aceleraram a utilização da Inteligência Artificial nos escritórios de advocacia do País. Um software já é capaz de fazer uma petição simples tão bem quanto um advogado, atesta o presidente da 40ª Subsecção da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de São Caetano, João Paulo Borges Chagas. “Temos de entender que é uma realidade que vai ser posta para todas as carreiras e profissões”, diz ele, que lidera uma entidade que agrega cerca de 3.000 profissionais. Abaixo, estão os principais trechos da conversa com o Diário.
O Grande ABC possui 20 mil advogados, perdendo apenas da Capital e da região de Campinas. O que explica essa concentração?
Um dos fatores é a própria demanda. Temos que levar em conta que o Grande ABC foi o berço da indústria. Então temos a questão trabalhista, principalmente nas cidades de São Caetano, São Bernardo e Santo André. E somos um grande centro populacional, próximo à Capital, então se tem muitos casos em que o munícipe precisa entrar com uma ação judicial em São Paulo, mas, como mora em São Caetano, Santo André e São Bernardo e tem aquele advogado de confiança por aqui, recorre a ele. Porque a relação entre cliente e advogado é muito ligada à confiança. Além disso, temos um polo universitário com faculdades de direito, a começar pela USCS, em São Caetano, e a Faculdade de Direito de São Bernardo.
Falando nisso, como anda a qualidade do ensino do direito, com a proliferação de faculdades ocorrida nos últimos anos?
Há algum tempo, por uma movimentação da OAB junto às faculdades já constituídas, houve um pedido ao MEC (Ministério da Educação) para que não fossem abertos novos cursos de Direito. Então, limitou-se essa proliferação desvairada de cursos que talvez não fossem atender a qualidade profissional. É preciso lembrar que também há os exames de qualificação que são requisitados para se entrar nas respectivas áreas de atuação, como os concursos públicos e o Exame da Ordem.
Parte da opinião pública julga que o Exame da Ordem é uma reserva de mercado. Como a classe lida com este tipo de crítica?
A gente entende. É uma questão de demonstrar, para aquele que tem esse argumento, que ele está completamente equivocado. Há funções jurídicas que podem ser realizadas independentemente de você ser advogado, bastando ter formação em bacharelado. Na parte judicial, aí sim, há essa obrigatoriedade. O curso de Direito não forma advogados, mas uma gama de profissionais. Um deles é o advogado. Como a própria Constituição prevê, as profissões podem ser regulamentadas. A advocacia é uma delas. O Estatuto da Advocacia prevê o Exame de Ordem, que é de ingresso na profissão, assim como há exame para delegado, juiz, promotor. O Exame da Ordem é apenas um dos requisitos para se tornar advogado. Há também exames de vida pregressa e de idoneidade moral.
Na qualidade de presidente da OAB, o sr. acha que este é um modelo que deveria ser replicado a outras profissões?
Vou usar o exemplo da medicina, com a qual tenho mais contato porque meu pai é médico. Acho que a medicina é diferente do direito. Quando você se forma em medicina, recebe o diploma de bacharel em medicina e já médico. Mas não existe a faculdade de advocacia, de magistratura, de delegado, de promotor público. Para essas carreiras, o requisito é a formação em bacharel de direito e, por isso, é que existem os exames para se ingressar naquela determinada carreira. Tem de se tomar cuidado porque são situações distintas, mas todo exame de qualificação profissional é benéfico para a sociedade. Só é preciso verificar se não afronta o direito adquirido daquele que realizou o curso.
E a questão do ensino a distância, o sr. é contra?
A OAB é totalmente contra, e eu também. No ensino a distância, acaba se perdendo a qualidade. O direito é um curso de bacharelado, de cinco anos, não de tecnólogo. A OAB entende que o ensino a distância não permite que se tenha aprofundamento nas matérias. Até hoje, temos vencido essa batalha. Não há curso de direito aprovado e reconhecido pelo MEC. O que ocorreu, durante a pandemia, foi uma autorização para que algumas atividades fossem realizadas de forma virtual. Mas há um embate entre interesses, de um lado a classe de advogados e do outro da parte educacional, para que seja permitido.
E quanto às audiências virtuais nos tribunais, a OAB não é contra?
Hoje o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), principalmente na área trabalhista, obriga que as audiências sejam presenciais – só podem ser virtuais se houver a concordância das partes. Durante a pandemia, que era momento de exceção, houve sim (julgamentos não presenciais), porque muita gente dependia de valores que seriam aferidos em questões trabalhistas, previdenciárias ou mesmo indenizatórias ou alimentares. Então, na época, a OAB fez pesquisa junto à classe e decidiu pela volta do trabalho do Poder Judiciário por meio do sistema virtual que pudesse atender minimamente os interesses do cliente. O que entendo como salutar é que as audiências conciliatórias, que visam a busca de consenso, podem ser virtuais, por ser mais céleres.
Como a advocacia tem lidado com a chegada da Inteligência Artificial?
Em 2013, quando foi instalado o processo eletrônico em todas as Comarcas do Grande ABC, também houve um ‘nossa, o que vai acontecer?!’ Há adequações. A tecnologia vem para melhorar, mas, em algumas situações, ela prejudica. A tecnologia chegou para ficar. Temos de nos adaptar, pensar em usá-la da forma mais benéfica para o jurisdicionado. A OAB vê que temos de buscar uma forma de conviver com a Inteligência Artificial, que é utilizada, inclusive, pelos tribunais. Os tribunais utilizam uma fórmula de jurimetria para fazer busca rápida de casos que são repetitivos. Na advocacia, uma petição de andamento, uma petição simples, a Inteligência Artificial vai conseguir fazer. Os grandes escritórios, com trabalhos em massa, provavelmente vão adotar esse sistema. Agora, quando há situação peculiar, quando é preciso falar com a pessoa, ver o detalhamento, aí o advogado continuará sendo essencial. Porque esse contato com o cliente, como manusear e colocar os detalhes que são trazidos, que são muito ricos no momento em que o juiz vai analisar o caso concreto, acho que só o ser humano consegue identificar. Obviamente que aquelas que são funções mais mecânicas e automáticas, como a juntada de documentos, isso já existe. Os grandes bancos de escritório utilizam essas ferramentas para dar mais volume.
O sr. não acha que, neste momento, é preciso algum tipo de regulamentação na utilização da Inteligência Artificial?
Acho que é necessária a discussão e trazer ideias de como a advocacia vai ter de se adaptar a essa realidade. Não adianta só regulamentar para não utilizar a Inteligência Artificial. Isso não vai acontecer. Temos de entender que é uma realidade que vai ser posta para todas as carreiras e profissões. Como é que nós vamos lidar com essa Inteligência Artificial? Até que ponto ela pode ir? Até que ponto pode ser utilizada? Para qual tipo de atividade? De petição? De atendimento? Essa é a discussão que deve ser feita.
O brasileiro sabe reivindicar seus direitos?
O Brasil tem mais demandas judiciais que os Estados Unidos. O brasileiro está cada vez mais conhecendo seus direitos. E os deveres? O brasileiro acha que o direito não vem com os deveres. Há direitos e deveres com o próximo. Muitas vezes o brasileiro fica mais preocupado com os direitos do que com os deveres. Mas acho que hoje a população é mais consciente de seus direitos nas mais diversas áreas, mas muitas vezes não tem conhecimento de como o sistema jurídico funciona. O mais importante para uma pessoa, quando acha que teve um direito violado, é procurar um advogado. O advogado, de forma consultiva, é muito importante e pouco explorado aqui no Brasil. É importante ter um advogado de cabeceira, assim como um médico, para evitar vários problemas conflituosos no futuro.
A Justiça brasileira é realmente lenta, como entende boa parte da opinião pública? O advogado tem responsabilidade nisso?
O sistema judiciário brasileiro é muito garantidor. Ele permite que casos sejam revisados, que se entre com os recursos devidos, visando que não se gere nenhum tipo de nulidade ou perda de direito de um lado ou de outro. Porque a função do Judiciário é resolver o conflito de forma a atender ao máximo o direito de quem está pleiteando sem prejudicar aquele que tem de pagar. E isso acarreta, em certo modo, uma demora maior. Um outro ponto, que aumenta demais o número de processos, é que há uma cultura de litigiosidade no Brasil. As pessoas procuram o Judiciário para resolver qualquer tipo de situação, quando poderiam recorrer a acordos fora do Judiciário, como as câmaras arbitrais. Isso daria maior celeridade.
Qual sua avaliação sobre a personalização exacerbada das indicações para o Supremo Tribunal Federal? O presidente Lula acaba de escolher seu advogado pessoal, Cristiano Zanin, para o cargo. O sr. acha que está na hora de mudar os critérios?
É um sistema que já está colocado. Em vários países é assim. A Corte máxima deve ter uma ingerência do presidente, que é a figura máxima de poder do País. Então acho que a indicação tem de ser dele, talvez não diretamente. Talvez uma lista tríplice ou qualquer outro sistema. Não sou contra a norma que está aí. O problema é que hoje o STF, a partir do momento em que surgiu a TV Justiça, ganhou muita mídia para coisas que eram interna, e são importantes, como o sigilo do voto. O juiz tem a prerrogativa de julgar com sua convicção íntima, mas tem muita exposição sobre a discussão jurídica. Algo que nem mesmo nós, advogados, após cinco anos de estudo, sabemos. Imagina o leigo. Politiza tudo.
RAIO X
Nome: João Paulo Borges Chagas
Estado civil: Casado
Idade: 40 anos
Local de nascimento: São Paulo e mora em São Caetano
Formação: Direito pela PUC-SP e especialista em direito civil e processo civil
Hobby: Estar com a família e amigos e torcer pelo Palmeiras
Local predileto: Minha casa
Livro que recomenda: A arte de argumentar, de Antônio Suárez Abreu
Personalidade que marcou sua vida: Nelson Mandela, Barach Obama, Pelé, Ayrton Senna e Gustavo Kuerten
Profissão: Advogado
Onde trabalha: NBC Sociedade de Advogados, em São Caetano
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