'Arde como fogo': pacientes contam como é crise de PPG, doença rara de pele – VivaBem
O uniforme de trabalho da recepcionista Rebeca Rocha, 30, era uma tortura para sua pele. O tecido quente e
O uniforme de trabalho da recepcionista Rebeca Rocha, 30, era uma tortura para sua pele. O tecido quente e grosso machucava as pequenas bolhas avermelhadas com pus espalhadas pelo seu corpo, um dos principais sintomas da psoríase pustulosa generalizada (PPG). As lesões causadas pela doença rara aparecem de uma hora para a outra e não é possível prever quanto tempo irão durar.
Rebeca perguntou ao setor de recursos humanos da empresa onde trabalhava se ela poderia usar uma roupa mais leve, para evitar que o quadro piorasse. O RH permitiu, mas ela diz que a direção não gostou da ideia.
“O problema chegou até os ouvidos do dono da clínica. Eu disse para ele que não podia usar o uniforme, mas ele nem me deixou completar a frase. Olhou pra mim e falou ‘eu sei que você tem uma alergia, mas é preciso usar o uniforme'”, conta a moradora de Fortaleza.
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“Já tinha explicado que a PPG não é uma alergia. Me senti desrespeitada”, relembra ela, que hoje é assistente comercial em outra empresa e na época não sabia que, nesses casos, se o uso do uniforme não puder ser adaptado ou alterado, o funcionário pode solicitar auxílio-doença até que tenha condições de usar a peça.
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Apesar de as bolhas avermelhadas da psoríase pustulosa generalizada terem alguma semelhança com quadros alérgicos, a doença está longe de ser uma alergia comum, explica o dermatologista Wagner Galvão, um dos responsáveis pela elaboração do Consenso Brasileiro de Psoríase.
Rara, a PPG é uma doença de pele grave e debilitante, que pode até levar à morte se não for diagnosticada e tratada adequadamente. No Brasil, estima-se que 9 pessoas em cada 1 milhão sofram com o problema.
“Além da vermelhidão e das bolhas com pus, na fase mais aguda a pessoa pode sentir muita fadiga e febre. Também pode acontecer uma síndrome inflamatória junto, com complicações no fígado, pulmão, rins e coração”, explica o médico, que também é professor colaborador da FMABC (Centro Universitário Faculdade de Medicina do ABC). “Não é só uma doença que afeta a pele”.
A doença é tão séria que, se a situação de saúde se tornar crítica a ponto de impedir definitivamente o retorno ao trabalho, por exemplo, a pessoa pode até ser aposentada, segundo Dionísio Renz Birnfeld, da Birnfeld Advocacia, escritório especializado em direito da saúde.
Durante uma crise de PPG, você não consegue tomar um banho de cinco minutos sem gritar. A sensação é a de que alguém jogou em cima de você um balde de óleo fervendo. A pele arde como fogo. É a mesma coisa de quando você queima o dedo na panela e tem aquela sensação ‘ai’, só que no corpo todo. Rebeca Rocha, assistente comercial e estudante de marketing digital
Preconceito e problemas de autoestima também são comuns na vida de quem convive com a doença crônica, que costuma ter um pico ao redor dos 20 anos e outro entre 40 e 50, segundo os especialistas consultados pela reportagem, e é ligeiramente mais comum em mulheres.
“Houve uma época da minha vida que, durante as crises, eu não queria nem sair de casa, porque na rua sempre me sentia um bicho de circo, onde as pessoas me olhavam como se eu fosse uma pessoa extraterrestre”, diz Rebeca.
“Uma vez, como trabalhava com atendimento ao público, uma pessoa me olhou e disse ‘acho que você está com sarna’. Senti vontade de chorar. Às vezes, por falta de conhecimento, as pessoas também não sabem que a psoríase não é transmissível e se afastam como se eu fosse passar alguma coisa.”
O tratamento da PPG ainda é um desafio, por se tratar de uma doença grave que tem poucos guias de tratamento padronizados, mas os dermatologistas consultados pela reportagem afirmam que o cenário parece estar em transformação graças a avanços nas áreas da genética e imunologia ocorridos nos últimos anos.
1) É diferente da psoríase vulgar, como é conhecido o tipo mais comum de psoríase. A primeira causa placas avermelhadas na pele com descamação, enquanto a PPG aparece na forma de dolorosas e pequenas bolhas cheias de pus, as pústulas, que cobrem todo o corpo —daí o nome pustulosa generalizada;
2) O início do quadro tende a ser abrupto e explosivo. A pele fica sensível e dolorosa e, dentro de horas, surgem de dezenas a centenas de pústulas. Com a evolução do quadro, as pústulas ressecam e há perda de pele. As lesões tendem a regredir sem deixar sequelas;
3) A frequência dessas crises é variável. Alguns pacientes têm um episódio de PPG na vida, outros podem ter mais de um. As crises podem durar de dias até meses;
4) A doença é mais frequente em pessoas que têm psoríase em placa ou histórico familiar de psoríase, mas qualquer pessoa com predisposição genética para a PPG pode ser acometida pela doença;
5) As crises são desencadeadas por fatores externos. A retirada repentina de corticoides, o uso de certos medicamentos, infecções virais e o excesso de estresse e ansiedade são alguns dos gatilhos que podem “ativar” as crises em quem já tem tendência para desenvolver a condição. Os episódios também podem surgir durante a gravidez;
6) O pus que sai das bolhas não é contagioso. Trata-se de uma reação do sistema imunológico à inflamação causada pela doença.
O diagnóstico da PPG nem sempre é simples. Quando o paciente tem histórico familiar de psoríase, como é o caso de Rebeca —seu pai, avó paterna e vários primos também têm a doença—, a descoberta da condição tende a ser mais ágil, já que diante dos primeiros sinais a busca por um dermatologista é uma ação quase automática, como ela fez.
O diagnóstico é clínico, mas pode ser confirmado por biópsia das lesões. “Um desafio comum é que muitos pacientes que ainda não sabem que têm a condição procuram um pronto-socorro durante a crise, e os sintomas podem acabar sendo confundidos com uma reação alérgica, infecção ou outras condições, e aí a pessoa é tratada de maneira inadequada”, aponta Ricardo Romiti, coordenador do Ambulatório de Psoríase do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
Foi o que aconteceu com Catharine Molinaro, 26. A estudante de serviço social passou por três médicos antes de receber o diagnóstico correto da doença, em 2021. Na primeira unidade de pronto atendimento que procurou, ela foi diagnosticada com uma inflamação na pele (dermatite). A pomada receitada pelo médico, porém, não resolveu o problema.
Ela fez um exame de sangue para detectar possíveis alergias e o resultado não indicou nada. Um alergista sugeriu que a estudante estava com herpes. No total, levou mais de seis meses para descobrir a verdadeira causa das pústulas que apareceram em seu couro cabeludo poucos dias após a morte de seu avô, cobrindo seu travesseiro de pus e impedindo-a de dormir direito. “Passei meses dormindo com a cabeça em pé”.
O intervalo entre o início dos sintomas e o diagnóstico da PPG pode ser ainda maior: gira em torno de 2,5 anos, segundo uma pesquisa realizada pela farmacêutica Boehringer Ingelheim e pelo instituto de pesquisa Inception.
Jaqueline Zanoni, 41, levou 19 anos. Ela teve os primeiros sintomas de PPG aos 17. Na época, porém, foi diagnosticada com dermatite atópica, outra doença inflamatória que resseca a pele e causa coceira.
A paulistana passou anos sem ter nenhuma crise, até que em 2017, quando a carga de estresse causada pelo trabalho estava muito intensa, dezenas de pústulas cobriram sua pele. A promotora de vendas foi diagnosticada com síndrome de Stevens-Johnson, uma reação alérgica grave e rara, geralmente desencadeada por remédios.
O diagnóstico de PPG só veio na terceira crise, a mais grave de todas, aos 36 anos. “Tive bolhas com pus das bochechas até a ponta do pé”. Jaqueline precisou ficar hospitalizada por três dias.
Segundo os médicos consultados pela reportagem, a cena é comum: quando o diagnóstico finalmente chega, a condição dos pacientes com a doença muitas vezes já é grave. “Só não me internaram porque era o auge da pandemia e, se eu pegasse covid, a situação seria pior, mas eu tinha consulta toda semana”, relembra Catharine Molinaro, do Rio de Janeiro.
Embora não exista cura para a psoríase pustulosa generalizada, o tratamento pode controlar as crises e diminuir o risco de recidivas (quando a doença volta).
No Brasil, há tratamentos tópicos (pomadas), sistêmicos e imunobiológicos (terapias de última geração) ofertados pelo SUS. Os planos privados de saúde também são obrigados a ofertar imunobiológicos aos pacientes com psoríase grave quando os demais tratamentos não dão resultado.
Atualmente, tanto Catharine quanto Jaqueline estão com a doença sob controle.
Catharine foi tratada no início com um medicamento imunossupressor, seguido de um quimioterápico. Hoje, ela vai ao hospital a cada três meses para receber a injeção de um imunobiológico. “Também faço terapia com psicólogo, o que me faz muito bem e também me ajuda a manter a doença sob controle, já que os médicos acreditam que o gatilho da minha crise foi emocional.”
Já Jaqueline começou o tratamento com um remédio quimioterápico, mas os efeitos colaterais em seu estômago levaram o médico a trocar o medicamento por outro, um imunobiológico, que hoje ela recebe pela farmácia de alto custo do SUS, a cada 14 dias. “Ainda não estou 100% bem, porque sinto coceira, mas nunca mais tive crises”, comemora.
“Trabalho com vendas de uma marca de beleza. Durante os períodos de crise, não conseguia trabalhar, não só pela dor mas também por que como você vai falar de beleza se não se sente bonita? Como faz a demonstração de um produto cheia de bolhas no couro cabeludo e na pele?”, relembra. “Foi no decorrer do tratamento que eu fui melhorando e me autodescobrindo. Hoje, consigo me achar bonita outra vez.”
Para Rebeca, cuja história abriu a reportagem, ainda é difícil se olhar no espelho. Ela já teve seis crises de PPG desde que foi diagnosticada, aos 17 anos. A mais grave aconteceu no final do ano passado e a moradora de Fortaleza diz que sua pele ainda não está “limpa”.
“Às vezes, quando olho para as minhas lesões, tenho crises de ansiedade e passo horas chorando”, desabafa. “Aliás, a ansiedade chegou na minha vida com a psoríase e o pior é que ela também é um motivo que agrava as lesões”, diz ela, que já fez terapia, parou por um tempo e agora está na fila de espera do SUS para voltar a fazer. “O apoio dos meus pais é essencial”.
Ela afirma que já passou por tratamento com quatro remédios diferentes até hoje e, no final deste ano, seu médico irá testar o aumento da dose do imunossupressor que a paciente recebe atualmente.
Apesar de não estar como realmente queria estar, não perco a esperança. Sonho com o dia em que vou estar sem lesões, pra poder trabalhar fora e sair mais de casa, porque não ter contato com as pessoas acaba deixando a gente muito solitária. Sonho com o dia em que terei uma qualidade de vida e uma rotina como qualquer outra pessoa. Rebeca Borges
Quimioterápicos, imunossupressores e imunobiológicos são algumas das classes de medicamentos que podem ser usados para controlar a PPG. Segundo Wagner Galvão, a troca de remédios durante o tratamento da doença é comum. Isso porque, até pouco tempo atrás, não existia nenhuma terapia específica para a doença.
“O que se faz é adaptar os medicamentos da psoríase em placas, mas uma dificuldade grande é que os medicamentos que a gente usa com muito sucesso para psoríase em placa nem sempre têm uma evolução tão boa no paciente com PPG”, explica o dermatologista.
Em março deste ano, porém, a Anvisa aprovou um novo medicamento que trouxe uma luz no fim do túnel para o tratamento da doença. Injetável, o espesolimabe, da farmacêutica Boehringer Ingelheim, é considerado o primeiro remédio aprovado para tratar a psoríase pustulosa generalizada.
O estudo de eficácia e segurança da droga, publicado no The New England Journal of Medicine, envolveu 53 adultos com a doença que tinham comprometimento moderado ou grave da pele e acentuado impacto na qualidade de vida. Após 12 semanas de tratamento, 54% dos pacientes tratados com espesolimabe não apresentaram mais pústulas visíveis após uma única dose, em comparação com apenas 6% dos pacientes que receberam placebo.
“Ainda não há estudos com o remédio em grandes populações, até porque é uma doença rara e a medicação é nova, mas os resultados no protocolo da medicação e os primeiros casos que já foram tratados ao redor do mundo indicam que a droga é muito promissora”, diz Romiti, do HC-FMUSP, destacando que a escolha entre o espesolimabe e outros medicamentos depende das necessidades específicas de cada paciente.
“Como é uma doença com predisposição genética, não dá para dizer ‘vou fazer tratamento por 3 meses e ficarei curado’. O que a medicina oferece é o controle, não só das crises como também das recidivas da doença, mas é preciso manter o acompanhamento até o fim da vida.”
O espesolimabe (ou Spevigo) deve ser fornecido pelo plano de saúde se houver recomendação médica. Procurada por VivaBem para saber se há interesse da farmacêutica em incorporar o medicamento ao SUS, a Boehringer Ingelheim afirmou que a decisão de solicitar a incorporação de um medicamento ao sistema público de saúde é complexa e leva em consideração diversos fatores.
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