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Artistas vendem suas imagens para réplicas digitais que conversam, aconselham e causam espanto; veja – Terra

Não há mais como imaginar um mundo sem inteligência artificial. Enquanto a sociedade discute as questões éticas por trás

Artistas vendem suas imagens para réplicas digitais que conversam, aconselham e causam espanto; veja – Terra

Não há mais como imaginar um mundo sem inteligência artificial. Enquanto a sociedade discute as questões éticas por trás da tecnologia, personalidades estrangeiras e grandes corporações foram atrás do que sabem fazer bem: buscar lucros com a IA. E melhor: ampliando seus poderes de influência sem precisar trabalhar. “Robõs-gêmeos” fazem o serviço por eles – parece um sonho para pessoas comuns, mas hoje acessível só para estes artistas. O público comum só assiste, espantado.

No final do mês passado, a Meta, empresa responsável pelo Instagram, Facebook e WhatsApp, anunciou uma novidade que, como esperado, provocou discussões. Kendall Jenner, Snoop Dogg, Tom Brady, Paris Hilton e dez outras celebridades, agora, aparecem em perfis da companhia nas redes como personagens distintos da vida real.
O rapper Snoop Dogg, por exemplo, se tornou Dungeon Master. Kendall é Billie, enquanto Brady é o comentarista esportivo Bru. Já Paris é a detetive Amber. Cada um dos personagens possui um vídeo de apresentação, pode conversar automaticamente com os seguidores através do chat e até realizar postagens automáticas.
Na publicação em que introduz a si mesma, Billie promete: “Estou aqui para conversar sobre o que você quiser. Me envie mensagem para qualquer conselho. Eu estou preparada para conversar e eu espero falar com você em breve”. Por enquanto, porém, o recurso de mensagens automáticas está disponível apenas nos Estados Unidos.
BREAKING META RELEASES KENDALL JENNER AI
The oddly named “Billy” account was created as a part of Meta’s “AI Character” push, creating a unique and interactive experience with an AI based off of Kendall Jenner’s personality.
The most groundbreaking thing about the account… pic.twitter.com/6LQlmEAbaW
Os comentários da publicação feita pela personagem que usa a imagem de Kendall se dividem entre a surpresa e a repulsa. “Não gostei disso, não gosto de para onde o mundo está se encaminhando e não vou apoiar”, declarou uma usuária do Instagram. “Isso é Black Mirror: temporada 6, episódio 1?, comparou outra.
Esta última internauta se refere ao episódio Joan is Awful, ou A Joan É Péssima, lançado pela Netflix em junho. Na trama, uma mulher tem dados recriados por inteligência artificial em uma série que copia a sua própria vida. No caso de Black Mirror, a personagem autorizou, de graça, sem saber, sua reprodução eterna. Na vida real, as celebridades certamente assinaram contratos de alto valor, mas as cifras e os termos não foram divulgados pela Meta.
Por enquanto, o novo recurso ainda não tem data para chegar ao Brasil e a Meta não confirmou se pretende incluir personalidades brasileiras. Fato é que a novidade pode representar um “marco” no uso da inteligência artificial para reproduzir pessoas reais, além de uma espécie de “catalisador” dos recursos já usados da nova tecnologia.
“A Meta está interessada em demonstrar sua capacidade de aplicação da inteligência artificial, do seu nível de desenvolvimento de pesquisa”, considera João Vitor Rodrigues, professor de marketing digital da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). “Mas a gente sabe que isso tem um potencial comercial enorme.”
Para João Vitor, o avanço da inteligência artificial pode significar tanto ganhos quanto riscos para pessoas que trabalham com internet. Ganhos, especialmente, por representar a possibilidade de um trabalho facilitado.
No caso das personalidades que venderam suas imagens à Meta, é como se um “espelho” fizesse algo humanamente impossível para famosos: interagir, um a um, com seus milhões de seguidores.
Porém, nem tudo são flores: a IA, hoje, só é possível graças à imensa quantidade de informações presentes na internet. Qualquer dado, imagem ou áudio pode ser absorvido pela tecnologia. O problema é que é difícil prever o que o “aprendizado de máquina” – técnica usada pela inteligência artificial – vai gerar após esse processo.
Outra observação feita por João Vitor tem a ver com o enorme poder de influência que marcas poderão ganhar ao se utilizarem do recurso. “A gente tem que pensar quais são as consequências de marcas que vão se apropriar da existência desses influenciadores de inteligência artificial para poder convencer as pessoas a comprar, usar, baixar”, pontua.
O que chama a atenção no recurso da Meta são as descrições dadas a cada um dos personagens. Billie, por exemplo, é descrita como “sem tempo para ‘lenga-lenga’ e sua companheira para todas as horas”. Dylan, personagem do empresário MrBeast, como “o irmão mais velho que não vai te deixar em paz – porque ele se importa”.
Outros ganharam perfis lúdicos. Dungeon Master é um personagem ligado aos games e serve “para que você escolha sua própria aventura”. Já Amber é uma “parceira detetive para solucionar enigmas”.
Ainda não é possível avaliar o quanto as contas seguirão estereótipos para cada uma das descrições. Caso isso aconteça, há um problema, segundo a pesquisadora Anna Paula Zanoni, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP USP).
A pesquisadora avalia ser muito cedo para avaliar todos os impactos que o avanço da inteligência artificial terá nas convivências sociais e na saúde mental. Fato é que interações online não podem substituir interações de “carne e osso”, que, como Anna Paula descreve, possui elementos não verbais.
Há também um risco de que os usuários de redes sociais “se fechem” para outras visões de mundo, fenômeno que já é observado com a personalização dos algoritmos. “A diversidade e a pluralidade de relacionamentos nos permitem ampliar as perspectivas, encontrar formas criativas de viver, desenvolver empatia, alteridade, que são elementos fundamentais para uma vida em sociedade e para a saúde mental”, detalha.
Em casos mais extremos, os usuários de perfis que possuem interações automáticas podem desenvolver certa dependência com a tecnologia e os próprios fabricantes. A pesquisadora cita, em comparação, o filme Her, ou Ela, de Spike Jonze, protagonizado por Joaquin Phoenix.
Theodore, personagem de Phoenix, desenvolve uma relação amorosa com um sistema operacional, que, no longa, tem a voz de Scarlett Johansson. Cuidado: spoiler a seguir. Ele, porém, entra em crise após descobrir que seu relacionamento é apenas uma cópia de milhares outras relações do sistema.
O Estadão entrou em contato com a Meta, que disse que não pretende comentar sobre as análises dos especialistas.
A companhia publicou um artigo em seu site – “Construindo recursos de IA generativa com responsabilidade” – em que assume a possibilidade de as funções criadas devolverem “resultados incertos ou inapropriados”. Mas a Meta prometeu melhorar a tecnologia.
A empresa descreveu que os modelos atuais de inteligência artificial podem, realmente, gerar respostas fictícias e reproduzir estereótipos. Como resposta a isso, o conglomerado disse ter incluído avisos sobre os limites da tecnologia – no caso dos novos influenciadores, as postagens automáticas são identificadas – e classificadores de integridades que ajudam a identificar “respostas perigosas”.
A Meta pontuou ter realizado testes com as novas funções, além de trabalhar com especialistas e contar com feedbacks para melhorar os recursos. “Por exemplo, as IAs recomendarão organizações locais de prevenção ao suicídio e suporte a transtornos alimentares em resposta a determinadas perguntas, ao mesmo tempo que deixarão claro que não podem fornecer aconselhamento médico”, diz.
Sobre o risco da reprodução de respostas preconceituosas, a empresa comenta que esse fenômeno ainda é “uma nova área de investigação em sistemas de IA generativos”. “Nossas equipes criaram algoritmos que verificam e filtram respostas potencialmente nocivas antes que elas sejam compartilhadas com as pessoas”, descreve.
As outras personalidades incluídas na novidade são: Charli D’Amelio, Chris Paul, Dwyane Wade, Izzy Adesanya, LaurDIY, Naomi Osaka, Raven Ross, Roy Choi e Sam Kerr.
Anna Paula comenta que há uma possibilidade de que os relacionamentos crescentes com a inteligência artificial tenham um aspecto lúdico, mas pontua que uma consciência crítica sempre será necessária. “É um novo universo a ser estudado e compreendido. A gente ainda está tateando e não conseguiu ver a longo prazo como tudo isso vai ficar”, diz.
*Estagiária sob supervisão de Charlise de Morais
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