As trilhas (e armadilhas) dos infoprodutos | VOCÊ S/A – VC S/A
Você grava um curso online e vende na internet por R$ 1 mil – um preço realista. Consegue mil
Você grava um curso online e vende na internet por R$ 1 mil – um preço realista. Consegue mil alunos – um número factível. É o paraíso. Você junta R$ 1 milhão com uma sequência de aulas que só deu uma vez, e deixou gravada.
Há quem consiga esse tipo de proeza agora, com a onda dos “infoprodutos” – os conteúdos digitais de informação. São cursos livres, sem caráter acadêmico, sobre qualquer assunto. Dá para encontrar de tudo: de inglês, finanças e marketing a confeitaria, confecção de mapa astral e forja de facas.
A coisa ganhou gás porque hoje há uma rede de “Youtubes” voltada aos infoprodutos. São plataformas que hospedam o conteúdo de professores diletantes em seus servidores. Para assistir, só pagando. Você sobe as aulas lá e recebe na conta o dinheiro de quem pagou por elas. Pelo serviço, as plataformas cobram uma porcentagem nas vendas – em geral, de 10%.
As mais conhecidas nessa área são a Hotmart, a Samba Tech, a Eduzz e a Monetizze. A Hotmart é a maior. Virou unicórnio em 2021, após receber um aporte de US$ 130 milhões do fundo americano TCV – investidor de gigantes como Airbnb, Netflix, Nubank e Spotify. Fundada em 2011, a empresa tem 490 mil infoprodutos cadastrados e 30 milhões de usuários, entre alunos, professores e “afiliados” (mais sobre essa função adiante).
Tal como o YouTube concentra os vídeos gratuitos, as plataformas concentram os pagos. Para quem está começando, então, não há alternativa realista a não ser juntar-se a elas – hospedando seus conteúdos por lá em vez de montar um site independente. De outra forma, você some.
“Nos marketplaces de infoprodutos já existe um tráfego constante de potenciais clientes, todas as formas de pagamento, uma página pronta para hospedar o conteúdo e auxílio para caso precise de alguma ajuda”, afirma Edgar Neto, consultor do Sebrae-SP.
Para produzir um curso não basta, claro, um celular na mão e uma ideia na cabeça. Para começar, é preciso ter algum projeto pedagógico: uma estrutura de como será a evolução das aulas, materiais complementares e atividades propostas para os alunos.
Também é importante investir em equipamento, como iluminação e microfone, além de aprender sobre edição de vídeo – ou contratar alguém para fazer isso. E de preferência fazer a gravação em um estúdio. Tudo isso pode custar bons milhares de reais. E depois vem toda a parte de divulgação, que em geral envolve pagar pelo impulsionamento de posts de divulgação nas redes sociais.
O mundo digital, de qualquer forma, não é menos cruel que o analógico. Mesmo que você faça a lição de casa completinha, tudo pode dar em nada. A publicitária Claudia Taulois sentiu isso na pele. Ela trabalhou por 14 anos na área de comunicação e marketing do banco BNP Paribas. Quando saiu, decidiu empreender. Em 2018, criou a Engaging, uma rede social para quem está desempregado. Além de divulgar vagas de trabalho, a equipe também publica dicas sobre recursos humanos, empreendedorismo e carreira.
Claudia percebeu que o mercado de cursos estava movimentado e pensou “por que não?”. No final de 2020, lançou um curso de desenvolvimento pessoal. Nas 30 aulas, ela aborda questões como plano de recolocação e gestão de tempo. Legal, mas na hora de vender a história foi bem diferente do esperado.
“As plataformas criam uma vitrine de cursos, para que a pessoa entre no site e já consiga achar logo de primeira. Mas só ganha esse destaque aqueles que já são muito populares ou que têm o nome de um criador muito forte por trás”, afirma. No ar há mais de um ano, o curso teve 100 alunos, bem menos do que ela esperava, e Claudia não vê sentido em investir em outras aulas online se for para ter o mesmo resultado.
Hora da aula – Algumas dicas para se tornar um bom criador de conteúdo
Tem um jeito de tentar ganhar dinheiro com cursos online sem ser criador de conteúdo: via programas de afiliados. Funciona assim: um criador lança um infoproduto; para alavancar as vendas, pede ajuda a outras pessoas (os afiliados), que vão divulgar o curso. Quando o afiliado faz uma venda, recebe uma comissão.
É mais ou menos como revender Avon ou Natura. A diferença é que, em vez de sair batendo de porta em porta para mostrar o catálogo de produtos, você gera um link do curso e publica nas suas redes sociais.
As próprias plataformas oferecem uma ferramenta para que criadores encontrem divulgadores e vice-versa.
No caso de quem está produzindo um curso online, basta ativar a opção “programa de afiliados”. Depois é só determinar a porcentagem da comissão. Não existe uma regra ou valor mínimo de quanto deve ser essa comissão. Quem decide é o dono do curso – por isso, os ganhos desses revendedores variam muito.
Já quem quer virar um afiliado, é só se cadastrar em uma plataforma, escolher um curso, gerar o link e sair divulgando. Os links são rastreáveis, ou seja, o sistema sabe que é você quem tem aquela URL e que, se alguém clicar nesse link e comprar o curso, o dinheiro vai para você, e não para uma outra pessoa.
O importante para tentar ganhar dinheiro como afiliado é saber quais cursos vender. “Você precisa estar atrelado ao tipo de curso com o qual quer se conectar. Dessa forma, dá para fazer um marketing específico para o público que vai consumir aquele tipo de conteúdo. Outra dica é selecionar produtos que já são bem avaliados dentro das plataformas”, diz Edgar Neto, do Sebrae-SP.
Para quem quer tentar a sorte como afiliado, então, é importante ter uma presença forte nas redes sociais e entender de marketing digital – o conjunto de ferramentas e técnicas para atrair potenciais consumidores na internet. Sem isso, a experiência terá tudo para ser frustrante.
Detalhe: as empresas limitam em R$ 1.900 o quanto uma pessoa física pode sacar por mês. Ou seja, se você vender R$ 10 mil, só vai conseguir sacar menos de R$ 2 mil. Na verdade, essa é uma limitação da Receita Federal, que determina que valores acima disso precisam da Declaração do Imposto sobre a Renda Retido na Fonte. Como as plataformas não se responsabilizam pelo pagamento de impostos dos produtores e afiliados, elas recomendam que seja criado um CNPJ – aí não há essa regra fiscal, nem a limitação dos saques.
Também há vida no universo dos infoprodutos fora do mundo das plataformas. O empreendedor Ícaro de Carvalho, por exemplo, montou seu próprio site de cursos online em 2016, para ensinar marketing digital, chamado O Novo Mercado. O negócio demorou a engrenar. No início, eram menos de 100 alunos. Mas rolou. Em 2019, ele tinha juntado 6 mil alunos. Hoje, a conta está em 32 mil. E o negócio ampliou: são 250 aulas, de vários professores. Para acessar o conteúdo completo, paga-se uma assinatura. Ou seja: algo que começou como um projeto menor se tornou uma empresa de fato.
Marketing de afiliados – Como vender bem o peixe alheio
Você provavelmente já viu a imagem de uma cobra comendo a própria cauda. Esse símbolo, que tem origem no Egito Antigo, chama-se Ouroboros. Ele representa o conceito de eterno retorno. E, de certa forma, mostra também o caminho pelo qual os cursos online estão seguindo.
É que existe um ciclo curioso nesse mercado: entre os cursos que fazem mais sucesso estão justamente aqueles que ensinam como ganhar dinheiro com marketing digital, a ferramenta mais importante para quem produz ou vende cursos online.
Na Hotmart, por exemplo, existem mais de 11 mil cursos voltados para marketing digital – e aqui entra tudo que envolve o assunto, como vendas na internet, redes sociais, impulsionamento pago.
Ou seja, o que não falta é oferta e demanda por infoprodutos que ensinam como vender infoprodutos. Cuidado. Quando a realidade de um mercado se converte em algo que lembra uma cobra comendo o próprio rabo, o que temos é um alerta de bolha. E fica a dica: se você entende de um assunto e acha que existe gente interessada em pagar pelo que você tem a ensinar, tente a sorte. Já se a sua ideia central é tirar R$ 1 milhão sem fazer força, sem ter grande coisa para dar em troca, esqueça. Não há marketing capaz de transformar nada em alguma coisa.
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