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Ciclovias. Moradores da Avenida de Berna contestam supressão de … – SAPO

Em 2020, existiam cerca de 2357 quilómetros de ciclovia em Portugal. O desejo do Governo é que em 2030

Ciclovias. Moradores da Avenida de Berna contestam supressão de … – SAPO

Em 2020, existiam cerca de 2357 quilómetros de ciclovia em Portugal. O desejo do Governo é que em 2030 se atinjam os 10 mil. Mas como é que essa aposta tem interferido na vida dos moradores da capital?

No dia 4 de julho de 2019, o Governo estabeleceu a Estratégia Nacional para a Mobilidade Ativa Ciclável (ENMAC), que previa atingir 10 mil quilómetros de ciclovia até 2030, construídas através de várias iniciativas de investimento, entre as quais 300 milhões do Portugal Ciclável. Na altura, existiam cerca de dois mil quilómetros de ciclovia no país e “o objetivo seria atingir os 10 mil em 2030”, indicou à Lusa o gabinete do ministro do Ambiente e da Transição Energética, reforçando que, para alcançar essa meta, “seria preciso construir oito mil quilómetros de ciclovia numa década”. No âmbito destes oito mil quilómetros de ciclovia, já existiam “várias iniciativas de investimento, entre as quais o Portugal Ciclável, que previa um investimento de 300 milhões de euros na construção de mil quilómetros de ciclovia nos próximos 10 anos”, avançou a tutela. Assim, o Governo pretendia aumentar a percentagem de deslocações em bicicleta no território nacional de 1% para 7,5%, valor correspondente à média europeia.
Segundo o portal Ciclovias.pt, que disponibiliza o mapa editável das ciclovias da zona de Lisboa e arredores, em 2020 Portugal possuía 2357 quilómetros de ciclovias.
Mas esta questão tem-se transformado num pequeno campo de batalha, onde são cada vez mais as pessoas que as contesta. Exemplos disso são as queixas feitas pelos moradores da Avenida de Berna e, em simultanêo, os comerciantes e residentes na Avenida Almirante Reis, que prometem levar o caso à Justiça .
A Câmara Municipal justifica-as com os olhos postos numa preocupação ambiental. Contudo, os moradores, neste caso da Avenida de Berna, acusam-na de violar as “mais elementares regras democráticas”. A questão que se coloca é: porquê?
A Câmara de Lisboa anunciou no ano passado a construção de 16 novas ciclovias na capital. No dia 3 de Junho de 2020, dia mundial da bicicleta, Fernando Medina deu a conhecer várias medidas para tornar Lisboa numa cidade “mais verde e sustentável”, tendo assegurado a criação de 95 quilómetros de ciclovias pop up até ao final de 2021, com o intuito de criar uma “rede estruturante” que cobre vários eixos. Miguel Gaspar, vereador da mobilidade, em declarações ao i, revela que existe o desejo de ter uma rede ciclável com pelo menos 200 quilómetros, com o intuito de “acalmar o tráfego nos bairros de Lisboa conforme aprovado por unanimidade em Câmara com o desenvolvimento de zonas 30”. “A cidade para ser sustentável e inclusiva tem que ser equilibrada em termos de modos de transporte, a cidade do final do século passado não era o era e isso levou a que quase 60% das viagens na cidade de Lisboa fossem dependentes do carro, também por falta de alternativas”, sublinha.
Com a construção da rede ciclável, a utilização de bicicleta em Lisboa tem vindo a aumentar de forma sustentada desde 2016, o que, para o vereador “é um indicador de sucesso da estratégia seguida”. Entre Maio de 2019 e Outubro de 2020, o número de utilizadores de bicicleta cresceu 25%.
Mas, no que toca à criação da ciclovia na Avenida de Berna, a Assembleia de Freguesia de Avenidas Novas considera que a Câmara Municipal de Lisboa (CML) violou as “mais elementares regras democráticas”, pondo em questão o articulado da Constituição, do Código Processual Administrativo e as várias recomendações da Assembleia Municipal de Lisboa (AML).
A obra que visa proceder a alterações viárias nesta artéria de Lisboa, “designadamente a supressão de todos os seus cerca de 125 lugares de estacionamento para que sejam construídas duas ciclovias unidirecionais, uma em cada sentido”, já está na “estrada” e o projeto avança sem quaisquer alterações aquando das recomendações dadas pelo CDS-PP e PSD. 
Segundo Diogo Moura, líder do grupo municipal do CDS-PP, e um dos responsáveis pela recomendação feita a CML, “em meio urbano é desejável o incremento dos meios de locomoção suave” tais como as bicicletas, ao que as ciclovias, segregadas ou em vias partilhadas, são um “meio indispensável para conferir segurança e viabilidade à utilização da mesma”, como meio alternativo e complementar de transporte, especialmente para curtas distâncias. Contudo, alerta para o facto das ciclovias recentemente criadas pela CML terem “sido mal desenhadas” e muitas vezes “conflituantes com o restante tráfego e com a travessia de peões”, o que gera um “resultado perverso do aumento da insegurança dos utilizadores da bicicleta e dos peões”.
A VOZ DOS MORADORES Na recomendação apresentada e que foi aprovada por maioria, os eleitos da freguesia consideram que “a divulgação deste projeto foi feita pela CML sem que previamente tivessem sido ouvidos moradores e comerciantes interessados na disponibilidade de estacionamento automóvel”, além de não terem sido ouvidas as associações de moradores nem de comerciantes.
O líder do CDS acusa o Partido Socialista, que “manda na cidade desde o primeiro dia de agosto de 2017”, de prepotência, “muitas vezes com tiques de autoritarismo” e “numa atitude obstinada pouco consentânea com os reais interesses da população”. “Atente-se à Deliberação nº 8/AML/2021, de 12 de janeiro de 2021, que determina que sejam consultadas as Juntas de Freguesia sobre os projetos de implantação ou alteração de ciclovias no seu território, previamente à concretização dos mesmos e que a CML reforce os mecanismos de divulgação e participação junto da população, diretamente e indiretamente visada, e avalie a possibilidade de realização de sessões públicas, aquando do desenvolvimento de projetos com forte impacto em termos de perceção da mobilidade, como são as ciclovias”, explica o líder do partido. “Somos contra a inexistência de discussão prévia com a cidade de projetos que impactam na mesma”, declara. O líder acrescenta ainda que no dia anterior à Assembleia de Freguesia, para a qual foi convidado Miguel Gaspar, vereador da mobilidade, a CML anunciou o início das obras para daí a 5 dias, “pouco se importando com aquela que pudesse vir a ser a posição desta autarquia local e o respeito pela participação pública”.
Porém, Miguel Gaspar chama a atenção para o mapa do plano da rede ciclável  que, segundo ele, está online no site da CML desde o mandato anterior e onde consta a Av. de Berna, resultante da concretização dessa rede ciclável. “Aliás, fomos um partido que assumiu de forma clara o desenvolvimento da rede ciclável na cidade quando outros diziam que as ciclovias de nada serviam e andavam vazias (…). Hoje clamam por mais e melhores ciclovias (…). No fundo, e no que toca à Câmara Municipal, estamos a cumprir o nosso mandato, e isso é a mais elementar regra democrática”, afirma. 
André Carrilho, membro da Juventude Socialista e responsável pela defesa do projeto das ciclovias afirma também que a construção desta ciclovia não nasceu da noite para o dia, “está, pelo contrário, integrada da expansão das vias cicláveis, que aumentarão, a breve trecho, em 100 quilómetros” e, por mais que não sejam medidas que acolham de imediato a aceitação de diversas entidades, tais como partidos políticos de oposição, “convém não esquecer que, em 2016, o executivo de Fernando Medina sofreu inúmeras críticas pela decisão em reformular as vias entre os Restauradores e Entrecampos, mas hoje estão à vista todos os ganhos em termos de eficiência na mobilidade, não tendo deixado nenhum lisboeta para trás”, relembra.  
Aquando das acusações feitas sobre a falta de transparência e de comunicação com moradores, o vereador faz questão de destacar “que não só tivemos reuniões com cidadãos interessados sobre a ciclovia, como eu próprio participei numa sessão da Assembleia de Freguesia das Avenidas Novas para discutir o projeto”.
Mas a verdade é que, apesar da sua presença na Assembleia de Freguesia extraordinária convocada para o efeito por alguns eleitos, e apesar de terem sido aprovadas as recomendações contra esta obra, “a sua efetividade é praticamente nula”, alerta Rui Pedro Barbosa, morador na Avenida de Berna, e representante do grupo Vizinhos de Avenidas Novas. 
“As obras já estão na estrada e a avançar com o projeto sem alterações (…). Na prática não existe nenhuma queixa formal, apenas um protesto que depois resultou nessas recomendações aprovadas, mas nada mais que possa para já impedir esta obra (…). A CML com a presença nesta assembleia e com a sessão que fez com os Vizinhos das Avenidas Novas considera o assunto discutido e encerrado”, acrescenta. 
A QUESTÃO DOS ESTACIONAMENTOS Segundo os eleitos, a necessidade do estacionamento na Av. de Berna é bem conhecida como meio indispensável para permitir a cabal fruição das habitações, dos estabelecimentos comerciais, da Igreja do Rosário de Nossa Senhora de Fátima, na Universidade e demais prestadores de serviços e “não faltarão soluções técnicas para integrar uma ciclovia sem sacrificar os lugares de estacionamento existentes”.“Ao mesmo tempo que se criam as ciclovias e se promove a diminuição de tráfego, não se vêem com a mesma força e velocidade, a implementação das muitas vezes anunciadas e tantas vezes não cumpridas, melhorias nos transportes públicos e na criação de condições atrativas para quem vem de carro para a cidade, deixando as suas viaturas em parques seguros, onde possam apanhar esses transportes ou outros meios de mobilidade leve para se deslocarem no centro da cidade”, conta o morador. 
A CML pretende a supressão de 125 lugares de estacionamento entre o cruzamento da Rua Marquês Sá da Bandeira e da Rua da Beneficência até à Av. da República. “Com esse desaparecimento, ao não criar condições de circulação pedonal mais seguras com mais e melhores atravessamentos, medidas de redução de velocidade automóvel e pelo facto de não acautelar alternativas de estacionamento, a CML esquece os moradores”, exalta o representante do grupo. 
Miguel Gaspar desmente essa informação: “São menos de 100 lugares (…) Pretende-se reduzir o excesso de velocidade da Av. de Berna onde só em 2019 houve 13 feridos, 2 resultantes de atropelamento, e melhorar as condições de circulação do transporte público, num corredor onde passam mais de 20 autocarros por hora cujas carreiras transportam mais de 5 milhões de passageiros por ano”.
A criação da zona de estacionamento reservada a residentes foi uma medida já decidida a posteriori, com grande pressão da Junta de Freguesia, “são 200 lugares que passam a ser exclusivos para residentes”. “Existem centenas de lugares de estacionamento em parques na envolvente da Av. de Berna, para além de ser uma zona muito bem servida de transportes públicos ligados a parques dissuasores de estacionamento, ou seja parques que custam 10€ por mês nas entradas de Lisboa”, explica o vereador. 
Sabe-se que a autarquia está a negociar com os operadores de parques da cidade um tarifário abaixo do preço de mercado para as avenças de 24 horas. Em causa estão os parques subterrâneos de Berna, Valbom, Campo Pequeno e Santos Dumont, onde “a CML tem condições para reservar a zona envolvente dos parques para estacionamento de moradores”, o que implica a redução do estacionamento rotativo. Mas Rui Pedro Barbosa interroga: “Que incentivo tem a EMEL para fiscalizar de forma assertiva estas zonas? Só se for a caça à multa (…) A questão é que depois, essas zonas, em vez de serem exclusivas para moradores passam a ser zonas de estacionamento para não moradores (…) Mais uma vez, fiscalização constante precisa-se mas não se vê”, alega. 
“A nossa estratégia é priorizar o estacionamento à superfície para residentes e estacionamento de curta duração para o comércio, razão pela qual foram criadas zonas exclusivas a residentes na Elias Garcia e foi aumentado o preço do estacionamento para os não residentes, criando um incentivo para que quem não é residente possa procurar mais os parques existentes”, declara o vereador.
Miguel Gaspar confirma que já começaram as negociações com as entidades que exploram esses parques subterrâneos de forma a encontrar soluções mais vantajosas que as de mercado para os residentes que prefiram estacionar em parques do que na via pública, libertando assim mais espaço à superfície para outros utilizadores.
Segundo o líder do CDS: “Esta zona tem já um grave problema de estacionamento, recorde-se que a EMEL nasceu na Av. de Berna com a ZONA Nº 1, e com esta obra isso agravou-se (…) Ou seja, a alternativa criada pela CML não resolve o problema, aumenta o existente”, explica. 
O CORREDOR BUS E AS CARGAS E DESCARGAS A intervenção na Avenida de Berna visa a criação de um corredor BUS, “tendo por base a melhoria das condições de circulação dos transportes públicos”. Segundo a CML as passadeiras serão rebaixadas, “melhorando a acessibilidade ao longo deste eixo e favorecendo a deslocação de todas as pessoas com mobilidade condicionada”.
Rui Pedro Barbosa admite que a faixa BUS é “imprescindível”, já tendo existido mas depois desaparecido. Contudo, “a deslocação das cargas e descargas para as ruas laterais significa menos lugares para residentes”. O morador admite: “Iremos lutar para que fora das horas de cargas e descargas os mesmos possam ser utilizados pelos moradores, o que receamos e vemos em tantos outros locais da cidade, é o estacionamento quatro-piscas nas faixas BUS que torna estas obras inúteis, porque nem se pode estacionar, nem a faixa BUS cumpre o seu objetivo, criando-se novos estrangulamentos”. Acrescenta ainda que “sem fiscalização constante as boas intenções morrem nos projetos e a realidade não as acompanha”.
O membro da Juventude Socialista está consciente de que este tipo de obra pública irá alterar percursos no dia-a-dia dos lisboetas, porém, considera que a apreciação global da nova ciclovia não seja negativa. “Realmente, para os poucos moradores e sublinho poucos, pois nos termos do recenseamento eleitoral são poucas as famílias que residem naquela artéria, a supressão de lugares de estacionamento terá um impacto negativo, isso é indiscutível (…). No entanto, os ganhos em termos de fruição e do direito à circulação em Lisboa serão muito atendíveis (…). Exemplo disso é o facto dos veículos que param em segunda fila, que hoje é responsável por parte dos engarrafamentos, deixarão de poder fazê-lo, ou, pelo menos, será mais difícil”, sublinha.
Segundo a CML, os lugares para cargas e descargas e tomada e largada de passageiros existentes serão transferidos para as ruas adjacentes à Av. de Berna, nomeadamente na Rua Marquês Sá de Bandeira e na Av. 5 de Outubro. 
Uma das propostas dos moradores baseava-se na possibilidade da ciclovia poder passar pela Avenida de Berna na zona da Gulbenkian e depois seguir pela Avenida Elias Garcia, mas depois, ao perceberem que do ponto de vista do ciclista, uma recta é o caminho mais curto entre dois pontos, essa sugestão não iria cumprir o que se pretendia. “Não somos técnicos e temos de acreditar quando os técnicos da CML nos dizem que não existe espaço suficiente para implementar uma ciclovia bidirecional, que era também uma das soluções que defendíamos, e que seguia a linha das ciclovias que pretende interligar, que são as da Avenida da República e da Praça de Espanha”, conta o morador. 
Por mais que acredite nas competências e nas boas intenções da CML, Rui Pedro Barbosa refere o facto de “ao fazerem projetos nas suas secretárias e com contagens de veículos e/ou observações feitas uma ou duas vezes, é impossível que se apercebam de todos os temas que devem ser tidos em conta, e nesse aspeto, as sugestões e contribuições de quem percorrer estas ruas todos os dias, seja de carro, bicicleta ou a pé, seriam uma importante contribuição”. 
UMA GUERRA POLÍTICA? A onda de contestações tem levado este assunto a possuir um teor político, onde é possível assistir a diferentes frentes, que ao que parece abarcam o mesmo fim, mas com diferentes meios. “Não se trata de uma guerra política, mas sim de uma falta de planeamento e cultura democrática da CML, daqueles que querem impor a sua má solução a todo o custo e sem ouvir ninguém”, declara o membro do CDS.  Para este, governar a cidade “seria estar atento a todas as vertentes do problema da mobilidade” de maneira a “se poder encontrar um justo e saudável equilíbrio, o que não tem acontecido”. 
Já André Carrilho afirma não ignorar que a expansão da mobilidade verde seja uma questão politicamente neutra. “Há quem esteja do lado de uma cidade, um país, uma Europa, um mundo progressivamente mais verde e descarbonizado, e para que isso aconteça é preciso pensar, decidir e fazer, mesmo que a curto prazo não se colham resultados”. Por outro lado, o responsável pela defesa do projeto das ciclovias admite que “há forças políticas que não se preocupam com os compromissos ambientais, designadamente os celebrados em Paris’’.
Para Carrilho, o objetivo da neutralidade carbónica só interessa se saltar do papel dos tratados internacionais o que acabará por obrigar à mudança de comportamentos e à redução de algumas comodidades: “Temos de interiorizar que os hábitos de vida da civilização humana não se coadunam com um planeta saudável que possa garantir uma vida digna e saudável a todos, por isso, a dependência do automóvel que é responsável por uma grande fatia das emissões de CO2 tem de ser, invariavelmente, mitigada”. No que toca à construção das ciclovias “não queremos estar aqui uns contra os outros”, é uma medida que, no longo prazo, “incluirá todos os lisboetas na determinação de um país que esteja na vanguarda da transição climática”, deseja.
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