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“É preciso mudar a cara da Casa” – WordPress.com

Faz uma década de vida este ano, a assinalar no próximo sábado, por altura do jantar de Natal. A

“É preciso mudar a cara da Casa” – WordPress.com

Faz uma década de vida este ano, a assinalar no próximo sábado, por altura do jantar de Natal. A Casa de Portugal nasceu na incerteza, cresceu, está aí. Há seis anos que tem em Amélia António a força motriz. Mas a presidente da associação não deverá recandidatar-se para o ano, diz, neste balanço de coisas feitas e projectos por concretizar.
Isabel Castro
– Está satisfeita com o que é hoje a Casa de Portugal em Macau?
Amelia António – Nunca estamos completamente satisfeitos. Há muitas mais coisas que se podiam e deviam fazer. De qualquer forma, acho que a comunidade se pode orgulhar do percurso feito durante estes dez anos. A Casa começou de uma forma um bocadinho turbulenta, cheia de ansiedades, com as pessoas com muitas dúvidas sobre o futuro e, portanto, com grandes discussões. Cada um via o futuro de uma maneira diferente e receava-o também de uma forma diferente. Esse sentimento levou a posições um pouco extremadas do que devia ou não ser a Casa. Os primeiros momentos foram de grande discussão e debate, fundamentado sobretudo pela ansiedade em que as pessoas viviam. Depois, a Casa constituiu-se. Os primeiros passos não foram fáceis. Acompanhei de fora os dois primeiros anos; nos dois seguintes estive um pouco mais ligada através da assembleia-geral, mas ainda sem qualquer responsabilidade na gestão. Foi um percurso de muito trabalho. As pessoas que estiveram à frente da Casa nesses quatro anos iniciais desenvolveram um trabalho muito grande, talvez não com a visibilidade que mereceria, mas que advinha da falta de meios, do facto de não haver muitas formas de se tornar claro o que estava a ser realizado. Mas foi um trabalho muito grande e sem o qual não seria possível, depois, a Casa ir crescendo. Isso tem de ser realçado.
– A Casa de Portugal tem hoje uma filosofia própria que seria difícil imaginar há dez anos. O lado mas visível do trabalho que é desenvolvido, passa, neste momento pela organização de actividades de formação, sobretudo para os falantes de português.
A.A. – E não só. Há pessoas que não dominam a língua portuguesa e que têm sido frequentadoras regulares dos cursos de formação, porque algumas das áreas não exigem uma grande matéria teórica, mas sim trabalho prático e domínio de técnicas. Isso tem sido possível através da ajuda de intérpretes, quer de inglês, quer de chinês, mas sem grandes exigências e dificuldades. Pela exemplificação, essas pessoas vão aprendendo e ganham confiança. E percebem que estão a adquirir conhecimentos novos, independentemente de haver um domínio de língua comum.
– Com estas actividades, a Casa de Portugal procura colmatar algumas lacunas de formação que o próprio território tem?
A.A. – Tem sido a faceta mais visível, sim. Há uma outra, que também está relacionada, que é o trabalho com a juventude. Tem sido desenvolvido um trabalho muito grande a este nível, com os campos de férias e depois ao longo do ano. Neste momento temos em formação mais ou menos contínua 50 e tal miúdos, algo que eventualmente não tem uma visibilidade muito grande. Mas penso que é um dos trabalhos mais importantes que a Casa tem feito, porque além da ocupação dos tempos livres destes miúdos – numa cidade onde há dificuldade em encontrar, de facto, coisas que lhes despertem o gosto e a curiosidade – tem criado neles uma grande auto-estima e domínio disciplinar, de personalidade, de capacidade de expressão. São aspectos que, ao nível escolar, têm repercussão de uma forma positiva. Este trabalho decorre ao longo do ano e é reforçado na altura das férias. Durante o tempo em que os pais não podem sair de Macau e eles estão sem aulas, encontram um ponto de atracção de trabalho que fazem com muita satisfação e alegria. Aliás, isso é visível: há miúdos que chegam a essas actividades às vezes quase uma hora antes, forçam os pais a trazerem-nos mais cedo, e quando são horas de ir embora pedem-lhes para esperar, porque querem ficar a fazer mais qualquer coisa. Isso é revelador do entusiasmo com que participam.
– A Casa de Portugal tem, há já muito tempo, um problema com a falta de um espaço que dê para juntar todas as actividades, espalhadas em diferentes pontos da cidade. Está à vista uma solução para esta situação?
A.A. – Temos vindo a tentar resolver esse problema, não da forma ideal. Mas houve uma altura em que chegámos a estar em cinco pontos diferentes da cidade, o que tornava o trabalho completamente esgotante e difícil, e tudo saía mais caro. Já que não conseguimos ter umas instalações que funcionem como um quartel-general de toda esta actividade, temos estado a tentar concentrar as oficinas da escola de artes e ofícios num prédio industrial junto à Rua dos Pescadores, em diferentes andares que temos vindo a arrendar. Neste momento, estamos em vias de passar para lá o pouco que tínhamos a funcionar no Albergue. A nossa passagem por aquele espaço foi importante, quer para nós, quer para a própria actividade do Albergue. Quando fomos para lá, não acontecia ali nada, pelo que o facto de termos arrancado naquele espaço começou a levar muita gente, a criar uma certa dinâmica, e acho que isso foi positivo. Para nós também foi, porque na altura não era fácil começar do nada com qualquer outra estrutura. Foi um momento importante para ambos os lados, mas as salas são muito pequenas e, mesmo do ponto de vista económico, estava a tornar-se impraticável continuar num sítio que é muito bonito, que apreciamos imenso, mas que já não respondia às nossas necessidades.
– Era objectivo da Casa de Portugal conseguir um edifício numa zona central de Macau. Continua a ser?
A.A. – Continua a ser o grande sonho. Adorávamos ter um sítio central, até porque, quando se fala em miúdos, seria importante – por ficar perto de escolas, para não haver problemas com deslocações e as famílias não ficarem inquietas. Se um dia se proporcionar e o momento surgir, óptimo. Ficaremos muito contentes. Entretanto, temos de ir fazendo o melhor possível.
– Quando a Casa de Portugal apareceu, a comunidade portuguesa vivia tempos de incerteza. Apesar de o antigo Chefe do Executivo, Edmund Ho, ser uma figura conhecida da comunidade, não havia também a certeza do que seria a reacção do Governo de Macau a uma estrutura destas. Como é que tem sido a relação com o Executivo?
A.A. – A relação da Casa com o Governo tem sido sempre extremamente cordial. Direi mesmo que é mais do que isso: a Casa só pôde crescer porque o Governo reconheceu, desde sempre, a importância de haver uma estrutura virada para a comunidade portuguesa. Sem isso, não era possível fazer nada. As quotas dos sócios não chegam para pagar a renda da sede, se tivéssemos de viver delas. Há duas facetas importantes a notar. A primeira é que é indiscutível que o Governo reconhece a importância de uma estrutura que, de certa maneira, congregue e seja um estímulo para os portugueses que aqui vivem e que para cá vêm viver – para que sintam minimamente algum apoio. A segunda é a presença e tudo o que é a actividade da comunidade portuguesa ao nível cultural. Através da formação em áreas culturais passa-se informação, uma maneira de estar na vida. Quando se fala nas diferentes áreas em que a Casa trabalha ao nível das oficinas, penso que às vezes escapa às pessoas a importância que têm até nessa perspectiva de que, através do ensino, se está a passar uma filosofia, uma maneira de estar e de olhar o mundo. O Governo, de certa maneira, percebe isso e que é importante para a identidade de Macau e para o que, de uma forma continuada, se pretende de Macau: por um lado, uma cidade com características internacionais; por outro, a sua latinidade e história. Se calhar não se encontra às vezes uma coerência muito grande naquilo que é feito com estas ideias e estes objectivos. Talvez, de certa maneira, o Governo entende que uma parte desse desígnio se realiza através da nossa presença e da nossa própria actividade.
– Se a Casa de Portugal sentir necessidade de afirmar publicamente determinados valores e aspectos do legado português, no contexto do que é suposto acontecer até 2049, fá-lo-á?
A.A. – Claro. Penso que temos sido sempre claros no entendimento que temos do papel da comunidade portuguesa – e falo até de uma maneira alargada à comunidade de língua portuguesa. Não nos temos cansado de repetir, ao longo dos anos, que entendemos que isso é parte integrante quer de Macau enquanto cidade, quer da identidade de Macau. Se se perdesse essa tónica, Macau não voltaria a ser o que foi, o que é e o que pode ser. Seria indiscutivelmente uma perda grande para Macau – temo-lo afirmado sempre e, quando defendemos a nossa actividade, crescimento e afirmação, é sempre na perspectiva de que não olhamos para nós como uma comunidade isolada, que está aqui e que quer fazer simplesmente a sua vida, mas sim como uma comunidade que é parte da cidade. Somos todos cidadãos de Macau de pleno direito e fazemos o nosso exercício cívico através dessa afirmação constante. Mostrar, trazer e fazer parte é uma forma de afirmação e de presença. Nunca vimos isto contestado em termos oficiais, pelo contrário. O que sentimos tem sido o apoio a essa actividade. Daí dizer que o Governo tem reconhecido a qualidade e a importância do trabalho que a Casa foi fazendo ao longo dos anos.
– E a comunidade, reconhece? A Casa de Portugal tem sido alvo de críticas.
A.A. – E vai sê-lo sempre, porque é impossível não se ser quando se faz alguma coisa. Quando a crítica é positiva, acho que é extremamente útil, porque leva as pessoas a repensarem se determinadas opções e modelos estão certos ou errados. Portanto, a crítica é sempre algo para o qual se deve olhar de uma forma construtiva, e não como um papão. Sempre que se faz alguma coisa, está-se sujeito à crítica. Só não é criticável quem não faz nada – é muito cómodo. A solução que vemos muitas vezes em Macau é não se fazer, não se optar e não se decidir, porque assim não se é criticado.
– Isso aplica-se ao facto de, nos actos eleitorais da Casa de Portugal, não aparecerem listas alternativas?
A.A. – Aplica-se. Há um problema: as pessoas querem ter as coisas para usufruírem delas, ficam muito contentes com o facto de existirem e serem feitas, mas têm as suas vidas organizadas, as suas obrigações e devoções. Há poucas pessoas a disponibilizarem-se para um trabalho voluntário e que implica o risco de ser também alvo de crítica. Tudo isso pesa, muitas vezes, nas opções das pessoas de se disponibilizarem para cargos e para tarefas que frequentemente acarretam dificuldades do ponto de vista do descanso pessoal e das relações familiares, porque passam a ter uma ocupação mais pesada, e obviamente alguma coisa fica perdida no meio disso.
– Gostava de já ter passado a pasta?
A.A. – Gostava. A Casa de Portugal é a associação de Macau que tem mais gente jovem, que de mandato em mandato tem tentado renovar os seus corpos gerentes de uma forma mais ou menos continuada com gente jovem, na casa dos 30 anos, de quem eu penso que o futuro está à espera. Tem sido uma aposta sucessiva nessa renovação. Só que essa renovação exige um grau de disponibilidade e de dedicação grande, e isso pesa muito na vida das pessoas. Tenho pena, porque é importante. É a altura de a Casa dar outro salto nesse aspecto, e estou sempre na esperança de ver surgir gente com o gosto e a vontade de levar projectos para a frente. Essa é a parte mais importante – é a gente sentir que as pessoas querem agarrar um projecto e o querem defender. Mas essa idade leva a que as pessoas estejam mais empenhadas na sua carreira e em se afirmarem nas suas áreas, e torna mais difícil uma maior dedicação a causas cívicas, que trazem as suas alegrias mas que trazem, de facto, muito trabalho.
– Hoje a comunidade portuguesa é substancialmente diferente do que era aquando do aparecimento da Casa de Portugal. No dia-a-dia, que impacto têm estas alterações?
A.A. – Um grande impacto. Da comunidade que existia na altura da constituição da casa, julgo que cerca de 300 famílias terão abandonado o território ao longo destes dez anos – não tenho elementos absolutamente seguros para garantir o número. Em contrapartida, ao longo destes anos, e sobretudo nestes últimos três, tem vindo muita gente jovem para Macau. São pessoas precisamente na casa dos 30 anos, que fizeram a sua formação e os seus estágios, e vêm para Macau – ou regressam. Há gente que estudou aqui no liceu e que foi estudar para fora, e que regressa, sem ou com família. Depois, por conhecimentos e amizades com pessoas que cá estão, e tendo em conta as dificuldades que hoje existem em Portugal e na Europa, há outras mais ou menos do mesmo escalão etário que também vêm para Macau.
– A Casa de Portugal é muito inquirida sobre oportunidades de emprego em Macau?
A.A. – Muito. Recebemos muitos pedidos de informação sobre as possibilidades de poderem vir trabalhar para aqui, de diferentes áreas e profissões. Não é fácil responder a estas pessoas sem as desiludir muito, mas há que se claro. Fazemos uma distinção entre o que é trabalho na função pública e no sector privado. Explicamos que na função pública, sem o conhecimento da língua chinesa, é hoje impossível pensar em vir de fora, a não ser que se seja de uma área altamente especializada e de que o território precise muito. No sector privado, depende das especialidades das pessoas, da prática e do conhecimento que têm, de factores tão variados que é difícil dizer-lhes.
– E quanto às pessoas novas que cá chegam, procuram a Casa de Portugal?
A.A. – Aparecem pessoas a pedir informações, outras a apresentarem currículos e a perguntarem-nos se sabemos de alguma oportunidade de trabalho. O fenómeno que se passa com esse grupo etário português é muito semelhante ao do início dos anos 1980 e 1990. Apareciam imensas pessoas que conheciam alguém cá, tinham amigos, ficavam em casa deles, organizavam-se com base no apoio mútuo até encontrarem saídas profissionais. Hoje ainda há gente a trabalhar cá, velhos residentes, que vieram para Macau nestas circunstâncias. Às vezes vejo as pessoas chegar, percebo como é que vêm, para onde vão e com quem estão, e é como se estivesse a ver o filme a repetir-se, porque é um filme que eu já vivi, já conheci. É engraçado porque, perante determinadas circunstâncias sociais, as pessoas reagem um pouco da mesma forma, mesmo sendo de uma outra geração. As reacções de sobrevivência são parecidas.
– É presidente da direcção da Casa de Portugal desde 2005. O que é que gostava de ter feito que não conseguiu?
A.A. – Muitas coisas (risos). Uma delas era, de facto, ter conseguido uma sede onde pudesse ter instalado, de uma forma eficaz, a escola de artes e ofícios, para termos uma actividade segura e organizada e não termos de andar sempre a saltitar. Deixar a casa com tudo isso a funcionar bem era extremamente importante, como era importante termos, ao nível das oficinas, um fundo que funcionasse com alguma segurança. Um dos grandes dramas da Casa tem que ver com o trabalho ano a ano. Chega ao fim do ano, apresenta as contas da realização do que se propôs fazer e vai pedir para o novo ano. Ora, as contas só se fecham no fim do ano. Normalmente acaba por se pedir no princípio. O que acontece é que os subsídios vêm mas, às vezes, a um terço do ano ou até a meio do ano, como já aconteceu. Quando há actividades que são em continuidade, tem-se pessoas a trabalhar, monitores certos, apoio administrativo, rendas dos locais. Tudo isso tem de ser pago mensalmente e há compromissos que se têm de assumir no fim do ano ou logo no início. Por exemplo, tem havido um esforço para se trazerem cá bons espectáculos, nas datas mais carismáticas para os portugueses, nomeadamente no 25 de Abril. A certa altura, quando desapareceu toda a actividade portuguesa do ponto de vista cultural em Macau, passámos a tentar trazer também no 10 de Junho, no 5 de Outubro. Temos dois problemas: os artistas já têm os seus calendários definidos e não os conseguirmos contratar; e o local onde vão actuar. No final do ano, quando tentamos arranjar uma sala para o ano seguinte, é já muito difícil. Gostava de arranjar uma forma de a Casa ter um fundo para que parte do seu funcionamento estivesse assegurada. Deixaria a Casa com uma grande tranquilidade.
– Termina o mandato no próximo ano. A recandidatura ainda é uma possibilidade?
A.A. – Não penso que seja. É muito tempo. Acho que é preciso mudar a cara da Casa.

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