Memes viram fonte de renda na internet; veja como faturar neste mercado – Pequenas Empresas & Grandes Negócios
Felipe José Misale, 34, estava começando a ficar insatisfeito com a sua carreira de radialista. Um dia, em 2014,
Felipe José Misale, 34, estava começando a ficar insatisfeito com a sua carreira de radialista. Um dia, em 2014, chegou em casa e, entediado, fez um vídeo experimental e criou uma página no YouTube para publicá-lo. “Era uma estética chamada vaporwave, que tinha um filtro igual ao de VHS e estava no auge em 2013. Peguei vídeos de festas infantis e imagens antigas e fiz a edição”, afirma. Depois que postou o primeiro, não parou mais. Era o começo da “Melted Videos”, página de memes que já conta com mais de 1 milhão de seguidores no Instagram.
Foi ainda no início do canal que Misale percebeu que era possível ganhar dinheiro com a internet. Depois de seis vídeos publicados, ele recebeu uma mensagem de uma pessoa interessada em um clipe para transmitir durante uma festa. “Lembro que cobrei um valor pequeno, mas fiquei muito animado. Então comecei a fazer mais vídeos para eventos”, afirma. Sete anos depois, o estilo de postagens da Melted Videos é outro – e sua dimensão como negócio, também.
Felipe José Misale, fundador da Melted Videos (Foto: Arquivo Pessoal)
Misale não revela seus ganhos, mas alguns detalhes dão indícios do crescimento: a página hoje tem uma equipe de sete pessoas, e ele pediu demissão do emprego de radialista para se dedicar apenas aos conteúdos. O empreendedor não é o único a apostar no potencial dos memes como fonte de renda. Outros nomes famosos nas redes sociais, como as páginas Greengo Dictionary e Memes Twitter, também têm rendido frutos aos seus criadores.
Para fazer sucesso, porém, criatividade não basta. É preciso disciplina, um olhar atento às tendências e disposição para negociar com clientes e marcas.
Desde o final de 2016, a Melted Videos atua estritamente como uma página de memes, deixando de lado a sua origem audiovisual. Hoje, a página se dedica a retratar as “dores” dos jovens adultos, unindo humor a conceitos de filosofia e psicologia. Misale também investiu em uma estética própria, com fundo degradê, fontes de wordArt e imagens aleatórias, com destaque para os carrosséis.
“Fomos sempre nos adaptando ao que está acontecendo no momento”, afirma Misale. Em muitos casos, porém, os resultados não vêm de primeira. “Se você tem o faro de que algo pode dar certo, às vezes vale insistir por algumas publicações até que vire algo exponencial. Tem de acreditar no seu instinto”, diz o empreendedor.
Para se destacar, a Melted Videos mantém uma estética própria, com fontes de wordArt e imagens aleatórias (Foto: Reprodução/Instagram)
Em 2018, o Misale recebeu o primeiro convite de uma agência de publicidade para produzir um conteúdo patrocinado nas redes sociais. Com o sucesso da campanha, foi convidado para outras — até perceber que estava ganhando mais com publicidade do que com a carreira de radialista.
Com o tempo, também notou a importância de definir critérios para aceitar as propostas. “Apoiamos marcas das quais gostamos e que nos dão liberdade para fazer o que acreditamos que tem potencial”, afirma. “As empresas entenderam que entregamos um bom resultado mesmo fugindo do tradicional do mercado de publicidade.”
O empreendedor já tentou ganhar dinheiro com merchandising, oferecendo peças de roupas. No entanto, percebeu que o público não se identificou com a proposta. “Nossos seguidores não são tão ligados à moda. Estamos pensando se é viável expandir para a venda de produtos, mas ainda temos muitas dúvidas”, afirma Misale.
Apesar do sucesso da página, ele continuou trabalhando como radialista até setembro de 2021, quando pediu demissão. “A minha ideia é que todos os integrantes da Melted consigam se demitir no próximo ano”, diz ele. O empreendedor não revela quanto está ganhando com a página, mas diz que é um valor mais alto do que ele imaginava ser possível no início.
Melted Videos atua estritamente como uma página de memes desde 2016 (Foto: Reprodução)
Dentre os sete membros da equipe da Melted Videos, quatro cuidam especialmente da parte criativa. Cada um é responsável por fazer publicações em um determinado horário. “Nosso escritório é o WhatsApp. Ficamos o dia todo enviando referências sobre o que vale a pena usar”, diz o empreendedor, que afirma também aproveitar as sugestões dos próprios seguidores.
Para quem tem vontade de ganhar dinheiro com memes, Misale lembra que existe um longo caminho. “Estamos com uma perspectiva sólida com a carreira de uma página de memes em 2021, mas a nossa história começou em 2014. Foram anos trabalhando todos os dias criando conteúdo e fazendo as coisas acontecerem, inclusive durante os feriados e fins de semana. É algo que exige uma disciplina extrema.”
Por quatro anos, o designer Matheus Diniz, 28, trabalhou como funcionário público, criando imagens para as redes sociais de órgãos estaduais. “Era uma coisa que não me trazia tanta realização. Queria crescer mais na parte de planejamento estratégico, então comecei a estudar sobre marketing digital e fiz uma especialização em gestão de conteúdo”, afirma.
No final de 2018, teve a ideia de criar uma página no Facebook. Decidiu fazer um teste em seu próprio perfil no Twitter: pediu que as pessoas traduzissem algumas expressões brasileiras – e viralizou. “Selecionei as que tinham sido mais curtidas e criei as primeiras publicações”, diz o empreendedor. Em fevereiro de 2019, ele criou a “Greengo Dictionary”, página que traduz expressões brasileiras para o inglês de forma bem humorada. Hoje, seu principal canal é o Instagram, onde acumula 1,6 milhão de seguidores.
Matheus Diniz, fundador da Greengo Dictionary (Foto: Arquivo Pessoal)
Enquanto ainda tinha poucos seguidores, Diniz criou um anúncio para atingir pessoas parecidas com as que já seguiam o perfil. A estratégia seguinte foi criar um grupo com a audiência e deixar o inbox aberto para receber as sugestões de publicações. Essa proximidade, segundo ele, é o maior segredo de sucesso. “Nos definimos como um espelho da cultura brasileira, com o melhor e o pior, para representar o que nós somos. Então ouvir a audiência sempre foi o mais importante”, afirma.
Conforme o número de curtidas e compartilhamentos cresceu, Diniz percebeu o potencial de monetizar a página. “Quando recebi a primeira proposta de publi, fiquei realmente surpreso, porque era um valor fora da minha realidade”, lembra. Em outubro de 2019, apenas oito meses depois de criar a Greengo Dictionary, ele deixou o seu antigo emprego para se dedicar apenas a ela. “Foi quando ganhei confiança de ver que tinham mais marcas interessadas.”
Assim como Misale, Diniz é criterioso na escolha dos parceiros. Quando não conhece a marca, busca informações para saber se a empresa é confiável. Ainda assim, já passou por algumas situações complicadas. “Uma vez, fiz a publicação e os seguidores me avisaram sobre coisas ruins da marca”, diz Diniz, que acabou por encerrar a parceria.
O empreendedor não revela quanto cobra por campanha, mas diz que o valor varia de acordo com o que as marcas desejam e a quantidade de publicações. “Já não recebo mais como MEI, então foi uma grande mudança de estilo de vida”, afirma. O maior ganho, segundo ele, foi poder trabalhar com algo que o permite se expressar e que o motiva.
No entanto, também revela o lado negativo: o excesso do trabalho. Se antes ele tinha horário para encerrar o expediente, hoje precisa estar online na maior parte do dia para acompanhar as tendências. “Percebi que a minha saúde mental, especialmente a ansiedade, acompanhou o ritmo à medida que o trabalho aumentou”, afirma.
Greengo Dictionary traduz expressões brasileiras para o inglês (Foto: Reprodução)
Diniz também tem conselhos para quem deseja fazer sucesso com memes. “As pessoas buscam muita validação nas redes sociais com curtidas, mas é preciso encontrar algo que funciona para você mesmo, sem considerar o que todas as outras páginas estão fazendo”, diz ele. Em sua visão, qualquer assunto tem espaço na internet, basta encontrar as pessoas interessadas em consumir o conteúdo.
Também é importante lembrar que errar faz parte do processo — e que será preciso lidar com os comentários negativos. Em um episódio recente, por exemplo, Diniz utilizou um áudio em uma postagem patrocinada sem saber quem era o seu autor. Foi surpreendido por comentários da pessoa e de uma seguidora, dizendo que o dono do áudio deveria ser recompensado. “Dividi o cachê e ele ficou super feliz com a notícia. Ainda me elogiou pela iniciativa e repassou um valor para a seguidora que havia alertado. Foi um erro, mas com um desfecho muito positivo.”
Em outubro de 2021, Diniz contratou a primeira funcionária para ajudá-lo na gestão da página. Agora, o plano é apostar no formato dos vídeos do TikTok e lançar um aplicativo. “Estou bem otimista com o próximo ano.”
Usuário assíduo do Twitter, Giancarlo Alves, 27, gostava muito de como o conteúdo era transmitido de forma simples e rápida na plataforma. No final de 2017, teve um insight: por que não levar isso para outras redes sociais? “O mundo do Twitter é uma coisa à parte, com mais leveza na passagem de informação. Ao mesmo tempo, muitas pessoas não sabem como usar ou quais pessoas seguir”, diz. Alves então criou a página “Memes Twitter” no Instagram, na qual publica registros de tweets de diversos usuários. Hoje, o perfil tem 1,6 milhão de seguidores.
O crescimento se deu principalmente pela divulgação boca a boca, com amigos marcando uns aos outros e compartilhando os posts. “Meu diferencial é justamente a rapidez, publicando o que está quente no momento. As pessoas querem sempre estar por dentro”, afirma. Essa leveza atraiu a atenção de empresas, que entraram em contato com Alves para fazer conteúdos patrocinados.
Giancarlo Alves, do Memes Twitter (Foto: Arquivo Pessoal)
Formado em Publicidade, ele também já tinha contato com profissionais responsáveis pelo marketing de algumas grandes empresas. Além de aproximá-lo de parcerias, a formação o ajudou a entender melhor o interesse dos clientes – sem deixar de lado os seus próprios. “Não adianta fechar publicidade com uma marca que não conversa com a audiência e não terá engajamento.”
Com o sucesso da página, Alves pediu demissão da empresa em que estava trabalhando no início de 2020. Ao mesmo tempo, passou a ser agenciado pela Banca Digital, que conecta marcas a páginas de influência. Desde então, a Memes Twitter já fez campanhas com empresas como Coca-Cola, Magazine Luiza, Nubank e Amazon. “Conseguimos adaptar muito bem a nossa linguagem para nos encaixar aos segmentos”, afirma.
As publicações comuns são feitas com os nomes dos usuários do Twitter, o que Alves acredita que estimula a vontade de aparecer na página. Para publicidades, porém, ele sempre cria o conteúdo em seu perfil pessoal. Também evita utilizar imagens de pessoas — investindo em fotos de animais, que demonstraram maior chance de chamar a atenção do público.
Hoje, Alves diz que o segredo para o sucesso da página é a consistência. “Sempre fui muito antenado e gostei de disseminar informação. Desde que criei a página, nunca deixei de publicar por um dia, mesmo quando morei por dois anos fora do Brasil”, afirma. “Não é de um dia para o outro que algo vai viralizar. É um crescimento aos poucos, desenvolvendo a sua identidade para que as pessoas criem uma conexão.”
Memes Twitter compartilha tuítes em outras redes sociais (Foto: Reprodução)
Na avaliação de Gabriel Rossi, professor de marketing na ESPM e na USP/Esalq, o que as três páginas estão fazendo nas redes é o que funciona na internet. Ele destaca que os memes são a forma de comunicação que mais representa o espírito do nosso tempo — e esse é o segredo do sucesso. “Com as coisas tão efêmeras e a necessidade de velocidade tão grande, a capacidade de condensar sentimentos e humor em um formato facilmente compartilhável é um fenômeno.”
O timing é outro fator essencial para ganhar relevância. “Perceber o contexto e publicar no momento correto é o primeiro passo”, afirma o professor. “Bons memes também cultuam a imperfeição. A Geração Z é a primeira a não carregar o fardo da perfeição e a debochar em relação a isso. Essa é uma forma de se comunicar com o público mais jovem.”
A dica de Rossi para se diferenciar é criar um bom nome para chamar a atenção e mostrar a proposta da página. Mais do que o número de seguidores, o engajamento é um fator essencial para atrair empresas. E esse fator, assim como a própria criação dos conteúdos, exige que se conheça a audiência.
Para saber se é o momento de monetizar a página, segundo o professor, o primeiro passo é avaliar a sua relevância. “Quem são as pessoas que estão compartilhando o seu meme? São pessoas influentes e com representatividade? Esses são indícios interessantes para começar a pensar em ganhar dinheiro”, diz.
Na hora da negociação, o ideal é não deixar que as marcas decidam todo o processo criativo, para manter o conteúdo fiel à identidade do perfil e ao seu público. A autenticidade, lembra Rossi, é um dos fatores que garantem o sucesso das publicações.
E quando já houver público e relevância, o professor sugere buscar uma agência que fique responsável por comercializar o serviço da página para diferentes marcas. “Muitas empresas tradicionais usam os memes para se comunicar de uma maneira mais atual. É um mercado grande, mas também competitivo.”