O que diz a lei sobre a responsabilidade de redes sociais por … – Aos Fatos
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Por Gisele Lobato
Falhas de moderação de plataformas como o Facebook e o Instagram, da Meta, e o YouTube, do Google, facilitam que fraudes e propagandas golpistas alcancem mais vítimas em potencial, como vem mostrando o Aos Fatos. Na semana passada, um link patrocinado que levava a uma página falsa de venda de ingressos para shows da cantora Taylor Swift aparecia entre os primeiros resultados na busca do Google, até a empresa admitir o erro e tirá-lo do ar.
As denúncias contra a publicidade veiculada na internet vêm crescendo e, no ano passado, representaram mais de 80% dos processos instaurados pelo Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), segundo a entidade.
Embora anúncios golpistas não sejam autorizados pelas políticas de comunidade das plataformas, eles ajudam a engrossar o faturamento das empresas, que têm na publicidade digital sua principal fonte de receita.
“Quem mais lucrou com publicidade ano passado foi o Google. Se lucra com isso, então deve se equiparar à responsabilidade em empresas de comunicação e publicidade”, afirmou em março o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes, defendendo que as plataformas digitais devem ser corresponsáveis quando lucrarem com conteúdos, como é o caso dos anúncios e impulsionamentos.
A responsabilização pelo conteúdo monetizado está prevista no PL 2.630/2020, conhecido como “PL das Fake News”, que prevê a regulação das plataformas digitais. O último parecer apresentado pelo relator do projeto, deputado Orlando Silva (PC do B-SP), diz que os provedores poderão ser responsabilizados civilmente “pela reparação dos danos causados por conteúdos gerados por terceiros cuja distribuição tenha sido realizada por meio de publicidade”.
Hoje, o Marco Civil da Internet (lei 12.965/2014) tem como regra geral que as plataformas digitais só podem ser responsabilizadas por um conteúdo quando descumprirem ordem judicial. Porém, a publicidade enganosa é proibida pelo Código de Defesa do Consumidor (lei 8.078/1990). Como essas leis se aplicam às plataformas digitais é tema de debate no mundo jurídico.
Com o objetivo de esclarecer os direitos do consumidor que for vítima de golpes divulgados em anúncios online, o Aos Fatos explica a seguir o que diz a legislação sobre o tema, qual é a responsabilidade das plataformas em relação a essa inserções publicitárias e o que pode mudar caso o “PL das Fake News” seja aprovado.
O artigo 37 do CDC (Código de Defesa do Consumidor) proíbe a publicidade enganosa que, segundo o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), pode ser dividida em dois tipos:
Enganosidade por comissão. Quando a propaganda traz uma afirmação inteira ou parcialmente falsa sobre determinado produto ou serviço:
Publicidade enganosa por omissão. Quando o anúncio não fornece todos os dados essenciais sobre um produto ou serviço.
Além de vetar a propaganda enganosa, o CDC também proíbe a publicidade abusiva. Isso inclui anúncios discriminatórios, que incitem à violência, explorem medo e superstição, se aproveitem da inocência das crianças, desrespeitem valores ambientais ou que induzam o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde e segurança.
Não há consenso entre especialistas em direito digital sobre qual é a interpretação da lei a ser aplicada em relação à responsabilidade das plataformas por anúncios que aplicam fraudes. O debate envolve o Marco Civil da Internet e o Código de Defesa do Consumidor.
O artigo 19 do Marco Civil determina que as plataformas só podem ser responsabilizadas por danos gerados por conteúdos de terceiros se descumprirem ordem judicial para os remover. Há poucas exceções a essa regra, como é o caso da pornografia de vingança — a divulgação de conteúdo íntimo sem consentimento. Nesse caso, uma notificação da vítima exigindo a remoção é suficiente para obrigar que a empresa seja obrigada a agir.
Como o Marco Civil é uma norma específica para a internet, João Victor Archegas, pesquisador sênior do ITS Rio (Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio), entende que o artigo 19 protege as plataformas digitais de responderem por anúncios fraudulentos ou enganosos. “Você pode aplicar o CDC ao anunciante em si, porque entre o anunciante e o consumidor tem uma relação de consumo”, avalia.
Essa interpretação sobre a aplicação do CDC dialoga com um entendimento do STJ (Superior Tribunal de Justiça) no caso da propaganda que circula na mídia tradicional, como jornais e canais de televisão. No julgamento do REsp 604.172/SP, em 2007, a Terceira Turma da corte entendeu que “os veículos de comunicação não respondem por eventual publicidade abusiva ou enganosa”, uma vez que o CDC determina que essa responsabilidade é dos anunciantes.
Entretanto, a advogada especialista em direito do consumidor e direitos digitais Flávia Lefèvre, ex-conselheira do CGI.br (Comitê Gestor da Internet no Brasil), considera que existe uma diferença entre as plataformas e a mídia tradicional na aplicação do CDC: as políticas de comunidade das big techs que vetam os anúncios fraudulentos.
As normas de publicidade do Google Ads, por exemplo, garantem que a empresa usa “uma combinação de avaliação automática e humana para garantir que os anúncios obedeçam às políticas” e que toma “as medidas necessárias” quando o conteúdo viola essas regras. As regras da Meta trazem promessa similar, indicando que os anúncios veiculados nas plataformas da empresa serão analisados de acordo com suas políticas.
É por falharem na moderação que garantiria a credibilidade dos anúncios que Flávia Lefèvre entende que as plataformas podem, sim, ser responsabilizadas quando um consumidor for vítima de um golpe.
“Se a empresa está dizendo que vai fazer esse controle, então ela tem que fazer, porque essa promessa, de acordo com a lei, é uma cláusula contratual estabelecida entre as plataformas e os consumidores”, avalia a advogada. O entendimento considera não apenas o CDC, mas também o artigo 3 do Marco Civil da Internet, que prevê a “responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades”.
Lefèvre lembra que o STJ já entendeu que o fato de os usuários não pagarem pelas redes sociais não descaracteriza sua relação de consumo com as plataformas. “Não importa que não existe pagamento pela prestação de serviços, porque a gente está pagando com os nossos dados pessoais, que é uma coisa um pouquinho mais valiosa do que dinheiro”, diz.
O Idec também tem esse entendimento. “Se as plataformas não conseguem controlar que terceiros paguem e veiculem anúncios fraudulentos, responderão independente de culpa pelos danos causados aos consumidores”, defendeu a entidade, em posicionamento enviado ao Aos Fatos.
A organização ressalta que há indícios de que as plataformas falham em banir anúncios fraudulentos mesmo depois de receberem denúncias de usuários.
Como o uso de informações falsas por anunciantes de golpes na internet dificulta a localização dos responsáveis pelas fraudes, o entendimento de que as plataformas também são responsáveis pela publicidade pode dar ao consumidor uma chance de ter seu prejuízo minimizado, mas isso dependeria da interpretação de quem julgar o caso.
“Vários tribunais pelo país afora já utilizam o CDC e o Marco Civil da Internet para justificar condenações relativas às vítimas de anúncios fraudulentos”, diz o Idec.
No entanto, o tema não é consensual. “Ainda que exista uma interpretação mais expansiva, essa não tem sido a interpretação corrente no Judiciário”, pondera Yasmin Curzi, pesquisadora do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV.
Se a jurisprudência atual dificulta a obtenção de indenização das plataformas em caso de anúncios fraudulentos, a situação pode mudar caso o “PL das Fake News” seja aprovado.
A última versão do PL 2.630/2020 diz que as plataformas digitais poderão ser responsabilizadas civilmente, “de forma solidária”, por danos causados por conteúdos de terceiros veiculados mediante pagamento.
Para o Idec, ao fazer essa previsão específica, o projeto de lei “acabaria de vez” com a tentativa das empresas de tecnologia de utilizar o artigo 19 do Marco Civil da Internet para “defenderem a isenção de responsabilidade sobre todo e qualquer conteúdo postado, seja ele patrocinado ou não”.
Dizer que a responsabilização é “solidária” significa que as big techs seriam tão responsáveis pelo dano causado ao usuário quanto o próprio anunciante do golpe. Nesse caso, o consumidor lesado poderia processar diretamente a plataforma.
O deputado Orlando Silva afirmou ao Aos Fatos que, na nova versão do relatório do PL 2.630/2020 que irá apresentar, analisa trocar o tipo de responsabilização prevista de “solidária” para “subsidiária”.
“Responsabilidade solidária tem uma natureza e a subsidiária tem outra, mas ambas são capazes de reparar danos”, declarou o parlamentar.
Caso a nova versão do texto adote a responsabilidade subsidiária, antes de pedir reparação do dano para a plataforma, o consumidor lesado precisará processar quem publicou o anúncio. “Não dando certo, aí sim ele pode acionar a plataforma”, explica João Archegas, do ITS Rio.
Ou seja, nesse caso, a responsabilidade principal por reverter o prejuízo é do anunciante, e só se ele não pagar a indenização a plataforma assume a conta. “A responsabilidade subsidiária é melhor para as plataformas”, avalia o pesquisador.
Embora seja uma forma mais branda de responsabilização das big techs, a responsabilidade subsidiária poderia proteger o consumidor nos casos em que o anunciante não pode ser localizado ou cobrado.
“Cria-se um incentivo para que a plataforma pense em formas de tornar o anunciante o mais identificável o possível, para evitar sua responsabilização. É um forte incentivo por mais transparência”, afirma Archegas.
Além de alterar o regime de responsabilização, o “PL das Fake News” também prevê que as propagandas e os responsáveis pelos anúncios sejam identificados de forma clara nas plataformas, que deverão exigir apresentação de documentos para todos os anunciantes.
O texto mais recente também impõe transparência nos critérios que levaram determinado anúncio a ser exibido para o consumidor, além de cobrar que as empresas mantenham repositórios públicos de propagandas. Essas medidas são similares às adotadas pela nova legislação europeia que regula as plataformas digitais.
Tramitação. Havia uma expectativa de que o “PL das Fake News” fosse colocado para votação na Câmara dos Deputados em junho, após sua tramitação de urgência ter sido aprovada pela Casa em 25 de abril. Entretanto, o governo tem encontrado dificuldades para reunir votos suficientes para sua aprovação. Orlando Silva declarou na terça-feira (27) que o texto pode voltar para a pauta no começo do segundo semestre. Um dia antes, o ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), disse que o governo espera a retomada da tramitação para agosto.
O PL 2.630/2020 perdeu apoio na Câmara, sobretudo entre membros da bancada evangélica, após uma intensa campanha das big techs e por conta da falta de um acordo entre os parlamentares sobre qual órgão deveria ser o responsável por fiscalizar o cumprimento da lei. Segundo Silva, as opções de entidade reguladora na mesa hoje são a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) e o Sistema Brasileiro de Regulação proposto pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).
Lideranças também chegaram a propor que o projeto fosse dividido, para que os artigos que preveem o pagamento de direitos autorais para artistas e a remuneração do jornalismo pelas plataformas digitais fossem votados separadamente, em outro PL. Até o momento, porém, também não houve acordo sobre o fatiamento, e Silva diz que pretende manter a remuneração do jornalismo no seu texto.
O consumidor enganado por um anúncio deve reunir todas as provas que conseguir sobre a oferta que trazia a informação falsa ou abusiva, como prints de tela e fotografias da propaganda.
O ideal é que a denúncia seja registrada primeiro em órgãos de proteção do consumidor, como é o caso dos Procons estaduais e do portal Consumidor.gov.br, do governo federal.
Segundo o Idec, o consumidor que não conseguiu resolver o problema “e ainda se sentir lesado ou prejudicado” pode entrar com uma ação no Judiciário.
Neste caso, a ação pode ser apresentada a um JEC (Juizado Especial Cível), antigamente chamado de “juizado de pequenas causas”. Esse órgão do Judiciário trata de casos de menor complexidade e, para ações de até 20 salários mínimos, pode ser acionado por qualquer pessoa, sem a necessidade de representação de um advogado.
Referências:
1. Aos Fatos (1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9)
2. Conar
3. Axios
4. Alphabet
5. Meta
6. Jota
7. Câmara dos Deputados (1 e 2)
8. Planalto (1 e 2)
9. Superior Tribunal de Justiça
10. Google
11. Facebook
12. BBC
13. Comissão Europeia
14. Poder360 (1 e 2)
15. Rede Brasil Atual
16. Correio Braziliense
17. Consumidor.gov.br
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