Por que famosos que divulgam golpes no Instagram não são punidos? – Terra
O Money Looks era um aplicativo falso para celular que prometia dinheiro a usuários que avaliassem roupas da Shein. Já o
O Money Looks era um aplicativo falso para celular que prometia dinheiro a usuários que avaliassem roupas da Shein. Já o Instamoney supostamente pagaria a quem curtisse fotos no Instagram. A existência desses golpes em si já seria bem prejudicial para o público geral. Mas ambos tiveram alcance ainda maior por terem sido promovidos por postagens de influenciadores digitais com milhões de seguidores nas redes sociais.
A punição não parece ser uma preocupação para esses famosos online. Ao menos enquanto órgãos brasileiros patinarem para definir quem é o responsável por fiscalizar a prática.
Em sites como o Reclame Aqui, perfis como o de Bia Miranda, Emily Garcia e a ex-BBB Gabi Martins são citados por centenas de denúncias de pessoas que caíram em uma propaganda enganosa e perderam dinheiro nas fraudes.
Apps nocivos como esses são desenvolvidos e disponibilizados em lojas como o Google Play. Em seguida, influenciadores divulgam links e vídeos falsos que simulam que o aplicativo dá dinheiro em troca de tarefas simples. O usuário baixa o programa, é induzido a pagar algum tipo de taxa e fica sem receber os valores prometidos.
O Procon têm dificuldade em enquadrar em suas normas a responsabilidade de todos os atores do golpe. O maior problema, segundo a instituição, é determinar quem é quem no procedimento padrão que o órgão usa para agir: identificar um fornecedor, um consumidor e o problema entre eles.
As fintechs, startups de finanças que os golpistas usam para processar os pagamentos, são as que acabam tendo que lidar com a maioria das reclamações. Mas, apesar de estarem aptas a fazer o reembolso, não existe nenhum mecanismo impedindo que a engrenagem pare de girar e novos golpes sejam aplicados.
Especialistas acreditam que as redes sociais não têm a tecnologia necessária para barrar a divulgação de conteúdo nocivo por parte dos influenciadores. E se a responsabilidade das big techs aumentar nesse sentido no contexto do PL das Fake News, elas podem ter grandes problemas.
Atualmente, dois processos estão sendo movidos pela Shein na justiça em busca da identidade dos envolvidos nos golpes que envolveram a marca. Procurada por esta reportagem, a advogada Camilla Jimene, que representa a gigante do varejo, não quis se pronunciar.
Lojas estão repletas de aplicativos que prometem pagamentos com jogos e tarefas simples. Isso no Brasil é facilitado porque a fronteira entre plataformas de apostas — atualmente legalizados, mas não regulamentados — e jogos que prometem altos rendimentos, mas, na verdade, são golpes, é nebulosa.
A maioria dos apps não apresenta regras explícitas quanto às condições de remuneração e tudo acaba sendo divulgado de forma pouco clara pelos influenciadores.
“A palavra chave é transparência, os desenvolvedores devem deixar tudo muito claro. Temos a aposta esportiva, contemplada pela lei. Mas diferente disso é um aplicativo que não envolve aposta esportiva que vem ao mercado com transparência nenhuma para oferecer remunerações milagrosas”, diz Lucas Maldonado, advogado e pesquisador de direito e tecnologia da Fundação Getulio Vargas.
Nas postagens nas redes sociais, tudo segue o mesmo roteiro: o influenciador mostra a si mesmo executando comandos no aplicativo da vez em seu celular e recebendo notificações de transferências de dinheiro como recompensa.
Nos links divulgados para download do programa, trechos na URL que contém o nome dos influenciadores sugerem que há ganho de comissão envolvido. Ou seja, quanto mais pessoas baixam o aplicativo pelo endereço divulgado pelo influenciador, mais dinheiro o divulgador ganha.
Os endereços simulam uma interface de um aplicativo que mostra notificações falsas de transferências quando alguém clica em algum lugar da tela. Tudo para fazer o app em questão parecer verídico.
Em alguns casos, ao clicar no link, o consumidor é levado a uma página de cursos com procedência duvidosa sobre vendas ou sobre como ganhar dinheiro fácil. O que era a propaganda de um aplicativo de renda fácil já virou a venda de um produto desconhecido e completamente diferente.
Em outras situações, como foi o caso do Money Looks, uma taxa de R$ 97 era cobrada para que o usuário pudesse começar a avaliar as supostas roupas da Shein. A promessa do ganho de dinheiro é desfeita quando o app não funciona como prometido, apresenta bugs ou regras que tornam o saque impossível.
Uma lista com mais de 40 nomes de influenciadores que já teriam divulgado algum esquema do tipo circula da internet, em sua maioria sub celebridades e ex-BBBs. Bia Miranda, Gabi Martins e Emily Garcia, que são algumas das mais citadas no esquema, foram procurados por esta reportagem, mas não responderam aos pedidos de posicionamento.
O esquema é tão complexo que o Procon, principal órgão de defesa do consumidor, nem mesmo tem uma resposta pronta para a situação.
Após dias de conversa com esta reportagem, a entidade emitiu uma nota orientando os consumidores a contatarem inicialmente o fornecedor do serviço e, se necessário, registrarem suas reclamações no Procon com o máximo de informações, como registros das conversas, recibos e outros documentos.
Anúncios e postagens em redes sociais sobre produtos e serviços precisam ser analisados formalmente caso a caso, para a sua eventual classificação como publicidade (enganosa ou não) ou venda direta de produtos e serviços.
E para que, havendo algum problema na oferta ou no anúncio, seja possível iniciar um procedimento com a notificação aos fornecedores — ou anunciantes, a depender da situação — e adotados todos os demais protocolos em consonância com o Código de Defesa do Consumidor.
Assim, em relação aos casos apresentados pelo Terra, o Procon-SP orienta os consumidores que se sintam lesados com alguma oferta, anúncio ou uso de produto ou serviço, a contatarem inicialmente o fornecedor e tentar uma solução para o problema.
Se não conseguirem, podem registrar sua reclamação no site www.procon.sp.gov.br, com o máximo de informações como registros das conversas, recibos e outros documentos, para que sejam analisados pelos especialistas do órgão do consumidor.
Procurada por esta reportagem, a Polícia Federal, responsável por fiscalizar crimes no âmbito digital, disse que, por se tratar de um estelionato, quem deveria ser procurado era a Polícia Civil.
Recebemos da Polícia Civil do Rio de Janeiro a resposta de que o órgão só comenta casos específicos que tenham registro de ocorrência e vítimas no estado do Rio de Janeiro. Já a Polícia Civil de São Paulo emitiu a seguinte nota:
“A Polícia Civil informa que, até o momento, não há registros de ocorrências relacionadas aos fatos pela Divisão de Crimes Cibernéticos (DCCIBER) do Deic. No entanto, a especializada irá apurar as denúncias citadas”.
O Conar (Conselho Nacional Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária) é uma organização sem fins lucrativos da sociedade civil que regula a publicidade no Brasil por meio de códigos de conduta e princípios éticos. Entretanto, ele não tem poder de polícia, ou seja, não pode aplicar multas nem determinar a retirada de conteúdo.
O órgão disponibiliza um guia para que influenciadores possam evitar acusações de propaganda enganosa, listando precauções que devem ser seguidas pelos perfis na hora de divulgar produtos.
Uma delas é se assegurar que, em uma publicação de publicidade, um depoimento de experiência pessoal por parte do influenciador deve “ser genuíno” e conter uma “apresentação verdadeira do produto ou serviço”. O documento, todavia, não tem valor legal.
Maldonado, da FGV, cita que, quando casos assim vão para a justiça, um entendimento comum é que os influencers são, sim, responsáveis por danos causados por uma divulgação do tipo.
“Um caso famoso foi o da influencer Virgínia [Fonseca], que divulgou um site de vendas de iPhone e, quando problemas aconteceram, o Judiciário entendeu que ela tinha uma responsabilidade objetiva. Já há entendimento na justiça de que eles são responsáveis”, diz.
Em 2020, o Juizado Especial Cível de Barra Mansa condenou Virgínia a restituir a uma mulher em R$ 2.639,90 após ela comprar um iPhone 8 Plus na loja indicada pela criadora de conteúdo, mas não receber o aparelho. A defesa de Virgínia recorreu, mas o pedido foi negado.
A questão levanta dúvidas se os próprios influenciadores, que, muitas vezes, têm o perfil como fonte de renda e não desejam se envolver em polêmicas, podem se proteger de iniciativas golpistas.
“Para eles, o primeiro passo é ter a iniciativa de investigar minimamente para ver se a oferta tem fundo de verdade. Além da responsabilidade civil, tem toda a questão da imagem que eles querem manter, então tem que ser diligente. Existe o guia do Conar, com todos os cuidados específicos que eles devem tomar”, diz o advogado.
“Nesses casos de aposta ou robô pix, devem também deixar claro que o retorno não é garantido e que não é uma recomendação de investimento”, conclui Maldonado.
O Judiciário também pode entender que as fintechs que processam pagamentos para golpistas também fazem parte da cadeira de consumo.
“De maneira parecida, quando uma pessoa faz um Pix para um fraudador, o banco fala que é mero intermediador. Mas o Judiciário já vem entendendo que, em alguns casos, não é bem assim”, afirma o jurista.
A grande maioria dos golpes acontece via Stories, publicações do Instagram que desaparecem após 24 horas, o que dificulta mais ainda a fiscalização.
A Meta, dona da rede social, afirma que atividades fraudulentas não são permitidas na plataforma e que estão sempre aprimorando sua tecnologia para combatê-las.
“Estamos sempre aprimorando a nossa tecnologia para combater atividades suspeitas. Também recomendamos que as pessoas denunciem quaisquer conteúdos que acreditem ir contra as diretrizes da comunidade do Instagram e os padrões de publicidade da Meta através do próprio aplicativo. Contas que violam as políticas da plataforma podem ser removidas”, disse um porta-voz da Meta ao Byte.
Mas, segundo Bruno Peres, professor e coordenador dos cursos de marketing digital da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), um cenário em que o Instagram aja para remover propagandas enganosas de influencers é pouco provável, mesmo que novas leis digam que ele deva fazer isso.
“O principal fator é que eles não têm como, não têm controle. Simplesmente não conseguem porque é muito volume, mas a rede social jamais vai assumir isso. É muito menos danoso enrolar do que assumir que não consegue fazer por falta de tecnologia”, diz.
O especialista também pontua que, em certo grau, é vantajoso para as redes sociais manterem publicações com alto engajamento, inclusive as de anúncios falsos.
Um dos principais pontos de discussão do PL das Fake News é a delegação às redes sociais de um “dever de cuidado“. Em vez de precisarem de uma ação judicial para retirar conteúdo do ar, como acontece hoje em dia, as plataformas seriam responsáveis por fazer uma moderação constante, sem a necessidade da justiça pedir o apagamento de publicações.
Peres não acredita que uma nova dinâmica baseada em multas deva mudar muita coisa na vida do usuário comum das plataformas. Segundo o especialista, acaba saindo mais barato para as empresas assumirem as penalidades — atrasando-as, se possível, travando processos na justiça — do que resolver o problema de fato.
“Mudanças devem acontecer em grandes casos, que envolvam políticos, mas, para o resto, não vai mudar nada. Espera-se que a aplicação de multas seria efetiva para mudar algo, mas o melhor mesmo seria derrubar anúncios. O que faz de fato as redes se mexerem é o bolso”, diz.
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