Tireoide: tecnologia brasileira reduz até 75% de cirurgias … – VivaBem
Quando surge um nódulo suspeito na tireoide, o jeito de tirar qualquer dúvida é puncioná-lo com uma agulha fina,
Quando surge um nódulo suspeito na tireoide, o jeito de tirar qualquer dúvida é puncioná-lo com uma agulha fina, capaz de coletar uma amostra de células. Colocadas em uma lâmina de vidro, elas são escrutinadas através das lentes do microscópio. E, aí, três resultados são possíveis.
O olhar experiente do patologista pode afirmar que aquele nódulo é benigno — nada a fazer, a não ser acompanhá-lo de tempos em tempos. E, cá entre nós, mais de 60% dos casos dão exatamente nisso.
Na outra ponta — em cerca de 5% das punções — vem a notícia que ninguém quer ouvir, a de que é um câncer. É preciso operar para tirar a glândula inteira. Mas só com isso, na maioria das vezes a pessoa já está curada. O preço, que perto de um câncer se torna barato, é fazer a reposição dos hormônios tireoidianos pelo resto da vida.
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Entre uma coisa e outra, porém, há um limbo, que representa em torno de 25% dos casos: o nódulo indeterminado. Ele não aparece no laudo porque o patologista falhou. A técnica, por si só, é que tem lá suas limitações e, muitas vezes, a amostra de células, por mais que seja bem examinada, não traz informações suficientes para assegurar se o quadro é maligno ou não. E, então, a dúvida inicial persiste.
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Ora, ninguém vai arriscar sair por aí com um câncer crescendo no pescoço. Por isso, o protocolo no mundo inteiro é mandar esse sujeito para a sala de cirurgia também. Quando a tireoide já foi extirpada e pode ser examinada inteira é que os médicos vêem, em oito de cada dez vezes, que ela não tinha nada de maligno. Foi arrancada sem a menor necessidade. Mas não dava para saber.
No final das contas, é um monte de gente passando por isso — no Brasil, precisamente umas 40 mil pessoas ao ano —-, consumindo recursos com um procedimento cirúrgico que, se houvesse uma resposta antes, poderia ter sido evitado.
“Acima de tudo, esses indivíduos se tornam pacientes crônicos, precisando da reposição hormonal para sempre, o que gera mais custos e é capaz de atrapalhar a qualidade de vida”, nota o biólogo Marcos Santos, cientista que liderou a pesquisa de uma tecnologia denominada de TMT-microRNA, na Onkos, empresa brasileira com sede em Ribeirão Preto, no interior paulista, que desenvolve testes moleculares para diagnosticar cânceres.
No caso, nem é preciso fazer uma nova punção da tireoide. “Basta o paciente enviar a lâmina com as células aspiradas pela agulha no primeiro exame para, na maioria dos casos, essa tecnologia dar uma resposta assertiva, se é ou não um nódulo benigno”, informa o pesquisador. O material, diga-se, pertence ao paciente e o laboratório onde ele realizou a punção, por lei, é obrigado a guardá-lo por cinco anos e fornecê-lo, quando solicitado.
O teste desenvolvido no Brasil, já disponível nos maiores laboratórios de análises clínicas do país, que o encaminham para a Onkos, é o terceiro do mundo a revelar o que está por trás de um nódulo tireoidiano tido como indeterminado. As outras duas tecnologias com a mesma finalidade, também recentes, são americanas.
Desde a sua formação na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), Marcos Santos sempre atuou na área da oncologia. No doutorado, realizado em parte na Alemanha, ele investigou um teste para a leucemia infantil. Depois disso, foi atuar na área de desenvolvimento do Grupo Fleury, que realizava algumas parcerias com o então Hospital do Câncer de Barretos (hoje, chamado Hospital de Amor).
Foi durante uma visita a esse hospital no interior paulista que um cirurgião de cabeça e pescoço, o doutor André Carvalho, soltou em uma conversa de corredor: “Cara, a gente tem um problema enorme na minha área que ninguém que pesquisa testes, como você, resolveu até agora”. Foi aí que ele ouviu a história dos nódulos de tireoide indeterminados. E ela não saiu mais de sua cabeça.
Na época, ano de 2015, recém-casado, o biólogo já estava querendo se mudar de São Paulo, capital, para o interior. Na cara e na coragem, iniciou uma nova vida como empreendedor em Ribeirão Preto. Abriu mão até mesmo de bolsa para pesquisa porque tinha tanta confiança no seu projeto — “ou esperança”, reflete — que preferiu investir todos os seus recursos na busca de um teste para elucidar os nódulos da tireoide e garantir a propriedade.
“Com um raciocínio inverso do que é mais usual em pesquisa, eu já pensava no que precisaria lá adiante: por exemplo, deveria ser um teste que, diferentemente das tecnologias existentes lá fora, as amostras pudessem chegar em temperatura ambiente, para facilitar”, relembra. Esse era um dos pontos de partida. E, por causa desse detalhe inclusive, Marcos Santos cogitou pesquisar moléculas chamadas de microRNAs. Afinal, se têm uma característica, é esta: são bem estáveis.
O microRNA, como o próprio nome indica, é uma molécula minúscula de ácido ribonucleico, o RNA, que fica pela célula, regulando o trabalho de suas várias organelas, fazendo com que tudo funcione direito. Ou seja, ninguém está falando de mutações genéticas por trás do câncer, nada disso.
“Os tecidos do nosso corpo costumam ter quantidades diversas de microRNA”, explica Marcos Santos. “Logo, minha suposição era de que o nódulo benigno tivesse um perfil dessas moléculas diferente do que encontraríamos em um nódulo maligno. Afinal, no câncer, as células seriam completamente desreguladas.”
A partir dessa ideia, o biólogo e seus colegas listaram 96 microRNAs que seriam, digamos, candidatos, porque a literatura científica apontava que tinham alguma expressão peculiar nas células cancerosas de outros tumores — não, para tireoide ninguém, até então, sabia de nada. E por que esse número de 96 candidatos? “Simples: porque era a quantidade que o nosso equipamento permitia analisar”, responde, rindo.
Com a lista pronta, os cientistas brasileiros estudaram as lâminas de nódulos de 171 pacientes que haviam recebido aquele primeiro diagnóstico de nódulo indeterminado na punção. “Mas todos eles já tinham passado pela cirurgia. Portanto, sabíamos quem tinha, depois, sido diagnosticado com câncer ou não.”
Os microRNAs foram quantificados em todas as amostras. Então, a pesquisa entrou em uma fase de bioinformática e inteligência artificial para descobrir quais, entre aqueles 96 candidatos, de fato seriam diferentes em uma comparação entre nódulos benignos e malignos.
“Repare que, em 2015, poucos estudos no país usavam a inteligência artificial com tanta força!”, comenta Marcos Santos. “Graças a isso, encontramos 40 e poucos microRNAs que apresentavam diferenças, quando olhávamos para os dois tipos de nódulos.”
Sem dúvida, era excelente. Porém, ainda era um número muito alto, que implicaria em um maior custo do teste adiante. Era preciso enxugar mais. No final, os cientistas chegaram a 11. E, de olho nesses 11 microRNAs, é possível excluir a hipótese de câncer quando a pessoa envia a sua lâmina, dentro de um tubo que está no kit do próprio laboratório, quando solicitado diretamente.
O recipiente serve mais para proteger as duas plaquinhas de vidro que formam um sanduíche. No Onkos, o pessoal consegue separá-las e literalmente raspar o recheio que ficou grudado — as células já ressecadas do nódulo, até virarem pó. “Não tem problema, os microRNAs estarão ali, intactos”, garante Marcos Santos.
“Esse é um ponto importante: o nosso teste não faz o diagnóstico do câncer”, esclarece o cientista. “Se dá negativo, há 96% de probabilidade de o indivíduo não ter essa doença, de acordo com todos os estudos que já publicamos.” Ou seja, sim, existem 4% de resultados falsos negativos. “Mas essa taxa de erro é menor do que a da punção, quando diz que não é câncer.” Mesmo assim, quem já recebeu um laudo indeterminado no passado continuará em acompanhamento, mas sem ser operado.
Já se o resultado dá positivo, o teste apenas indica que o paciente pode, eventualmente, estar com câncer. E daí, de novo, só o exame feito após a cirurgia para responder pra valer. “No entanto, com isso eu já reduzi em 75% o número de pacientes que seriam submetidos à operação”, informa Marcos Santos.
No final do mês passado, o teste brasileiro passou por uma consulta pública para ser incorporado pela ANS (Agência Nacional de Saúde). A ideia é de que, no início de 2024, seja submetido também à Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde) para que possa ser oferecido na rede pública. Poupará o pescoço, ou melhor, a tireoide de muitos, se isso acontecer.
Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL
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